Et si tu n'éxistais pas - Joe Dassin

Lover Why

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Caminhos de lilusão: Capítulo IX


Capítulo IX




Na manhã daquela segunda-feira, Norina decidira plantar uns pés de cebola e de tomate na horta para, pelo meio-dia, assistir pela rádio ou pela televisão às cerimónias do quinquagésimo sétimo aniversário das aparições de Nossa Senhora em Fátima aos três pastorinhos e rezar pela alma do único homem que a vira como Eva devia viver no Paraíso. Ah! como sentia a falta dos seus beijos, das suas carícias, dos estonteantes golpes de rins, em que a virilidade desenfreada a fazia morrer de prazer e subir ao sétimo céu! Agora..., agora devia ser uma herege para pecar por pensamentos, actos e omissões, sobretudo quando, em alta noite e em pleno frenesi erótico, acordava toda molhada e acabava por se masturbar, imaginando-se a rainha de orgia pagã a agraciar com a sua nudez resplandecente quem tanto amor lhe dera naqueles trezentos e sessenta e seis pesarosos dias, uma eternidade!...
Depois do sacrossanto cochilo da sesta, aproveitando a ausência da filha na escola, decidiu tomar um banho de espuma para festejar intimamente as suas vinte e sete primaveras e depilar as axilas como devia ser para se sentir bela e desejada como nos sonhos que ultimamente fazia. Prisioneira de um exacerbado ataque libidinoso, que a fez ficar mais de cinco minutos em narcísica miragem diante do espelho, nem viu o tempo passar; ainda se deleitava no meio da espuma, quando sentiu passos na varanda e, intimidada, imobilizou-se para que o estranho julgasse a vivenda sem ninguém e se fosse embora; pouco depois, como o ruído dos passos se tivessem eclipsado, ousou quebrar o silêncio e começou a lavar-se à pressa para recuperar o atraso; passando rapidamente uns jactos de água quente no corpo ensaboado, enxugou-se à pressa e, perfeitamente descontraída deitou a toalha ao chão e correu em bicos de pés para o quarto, onde vestiu umas calcinhas e um sutiã que tirou na gaveta da cómoda; e, pegando na saia enfiou-a pela cabeça e, atravessando o corredor, dirigiu-se descalça para a sala de jantar para agarrar a blusa que largara apressadamente no sofá. Cabisbaixa e aflita nem viu que estava a ser espiada.
— Parabéns a você...
— Ai credo, que susto Verónica! Vocês querem matar-me D. Carminda?! Uf! Ai que susto! — gritou aflita, escondendo instintivamente os seios com as palmas das mãos.
— Desculpe, mãe, nós só queríamos fazer-lhe uma surpresa! — disse a filha envergonhada, baixando os olhos para não ver a nudez maternal.
— Sinceramente, sinto muito D. Norina, mas é como a Verónica diz: só queríamos dar-lhe os parabéns pelas suas vinte e sete primaveras e desejar-lhe que, mas do fundo do coração, que seja muito feliz — acrescentou tímida e tremulamente a professora, corando profundamente.
— Muito obrigado a ambas e... Vá!, levantem lá esses olhos que o susto já passou e não vêem nada de especial! — disse risonha, ajeitando o sutiã.
— É para si, mamã! — balbuciou a menina ainda envergonhada, oferecendo à aniversariante uma rosa vermelha que fora colher num jardim da beira da estrada.
— Só?! Então não mereço um beijinho, não? — barafustou queixosa.
— Um? Mil, um milhão, mãezinha! — exclamou a Verónica, beijando-a no rosto.
— Eu..., eu, como não sabia o que..., enfim!, — murmurou a professora acanhada - trouxe-lhe este perfume.
— Oh! é muito bonito! Obrigado, Carminda, mas não precisava de se incomodar! — agradeceu a Norina, oferecendo-lhe o rosto para que ela lho beijasse.
— Felicidades! - sussurrou a professora, colando-lhe os lábios na epiderme.
Norina sorriu e, abotoando a blusa à pressa, sugeriu:
— E se as meninas fossem aquecendo a água para o café, enquanto eu me arrumo como deve ser.
— Ah pois, se quer que lhe cantemos os parabéns!... — arguiu Verónica graciosa.
Sorrindo meiga, a professora piscou à aluna e, dando-lhe de olhos, encaminhou-se para a cozinha, concedendo à aniversariante o tempo de se mudar em paz e de experimentar o perfume que acabava de receber; e, de confidência em confidência, o café durou até ao pôr do Sol; antes de se retirar, Carminda beijou-as afectuosamente no rosto e, sorrindo grata pela atenção dispensada, partiu feliz.
Enquanto que os portugueses descobriam o encanto da política, tomando apaixonadamente partido pelas mais diversas e antagónicas correntes ideológicas, a Marta recebera e queimara, finalmente, todas as cartas do idílio que mantivera com o passador, esquecendo-o definitivamente, e, depois de apresentar o taxista à família, começou a vê-lo mais intimamente e, longe dos olhares indiscretos, a permitir-lhe certas ousadias; seduzido pela franqueza e pelos lúgubres argumentos da namorada, Júlio decidiu ir pedir a mão da Marta aos pais, marcando o casamento para o segundo sábado do mês de Agosto.
Entretanto, Norina fora convidada para madrinha, mas, e inexplicavelmente, depois de aceitar inicialmente o honroso convite, recusara-o alguns dias mais tarde, entristecendo profundamente a amiga de infância; Verónica, essa, que exigira ser a menina das aliança, tinha pena de não ser rapaz ou mais velha para substituir a mãe e evitar aquela tristeza nos olhos da pobre Marta.

No fim do ano escolar, face às decisões do Conselho da Revolução, que instalara o serviço cívico e tomara medidas para possibilitar o acesso ao ensino da população, através dos exames ad hoc, Norina decidira realizar o sonho de criança e frequentar os cursos nocturnos em Setembro, deixando a Verónica eufórica, que, contudo, guardando segredo fechado a sete chaves, só falou disso à professora nos últimos dias de aula.
Quando partiu para férias, Carminda atravessava uma fase delicada, mais por temer pelo seu futuro que por se ver abandonada pelo superior hierárquico, com quem mantinha uma relação amorosa desde os tempos do magistério, saneado por ter sido acusado de pertencer ao regime deposto em Abril. Sentindo-a demasiado solitária, Norina convidou-a a vir passar um fim-de-semana à beira do Corgo, pois precisava muito de falar com ela. Encorajada pelo sorriso da Verónica, que não parava de lhe piscar, a professora aceitou e prometeu visitá-las logo que voltasse do Algarve, porque os próximos quinze dias era na terra, uma aldeia do concelho de Valpaços, que ela os iria passar.
E até ao casamento da Marta, foi um relâmpago; encarregada de tratar de tudo, das alianças ao restaurante, Norina e Verónica correram seca e meca para que tudo corresse bem: contrataram o fotógrafo, falaram com o padre e acertaram os pormenores da cerimónia religiosa e encomendaram os cravos e o ramo da noiva na florista.
Apesar de todas as diligências, na sexta-feira as luzes só se apagaram no solar de madrugada; um colega do Júlio, para o poupar, prontificara-se para levar a noiva, a menina das alianças e a mãe à Timpeira e lá estava para cumprir a promessa; mal caiu na cama, Verónica adormeceu logo, porém Norina e Marta, apesar do cansaço, não: nervosa, a noiva não conseguia pegar no sono, submetendo à apreciação da amiga as dúvidas que sentia naquelas últimas horas de solteira; e, para evitar barulhos, a noiva passou-se para o quarto da conselheira, deitando-se ao lado dela.
De manhã, quando Verónica acordou, as faladeiras dormiam abraçadas.
— Ei! Ei! Ponham-se a pé, suas dorminhocas!
— Âaah?! Uáaah! — bocejou a mãe atordoada pelo safanão, esfregando os olhos.
— És bem dorminhoca, Marta! Então estas é que são horas de se pôr a pé? Vá!, xô que está o dia bô! — bradou a madrugadora, batendo as palmas e puxando as persianas para que o Sol se lhes ferrasse nos olhos sonolentos.
— Hum!... Oh, que soneira! Acalma-te que a cabeleireira ainda não chegou, miga!
— Não, mas... Olha, se calhar é ela! — disse duvidosa, alertada pelos latidos do Leão. — É, nunca se fala no diabo que ele não apareça! — concluiu risonha, vendo-a descer a rampa com o material para fazer a permanente à noiva.
Saltando lesta da cama, a noiva enfiou o vestido da véspera e correu a lavar as remelas, enquanto Norina, mandando a filha reter a estranha no salão, vestiu umas calças pretas e uma blusa florida.
Duas horas depois, com o estômago sossegado, Marta recebia das mãos da Verónica o ramos de flores, arreganhando os dentes ao fotógrafo que, por detrás das lentes, não escondia o fascínio por uma noiva assim tão russa; entretanto, arrumando-se como mais gostava, de preto, e penteando-se para a fotografia, Norina fez questão de tirar uma foto com a filha e a amiga na varanda, com o vale do Corgo em segundo plano; hipnotizado por aquela fantasmagórica silhueta negra, o fotógrafo, depois de lhe imortalizar sorrateiramente na película três ou quatro sorrisos, pediu-lhe que ficasse sozinha no canto da varanda, com o Sol a iluminar-lhe os cabelos, e se debruçasse no banzo, apoiando o queixo na palma da mão; cedendo ao pedido do repórter, mais por gentileza que por vaidade, Norina não conseguiu, porém, sorrir, copiando instintivamente o misterioso olhar da Mona Lisa, o quadro que imortalizara o genial Leonardo da Vinci, o espírito mais prolífico do período Renascentista.
Quando o Mercedes florido do padrinho surgiu na estrada, os olhos azuis da viking de Almodena abriram-se e esbanjaram num ápice toda a felicidade do mundo e uma lágrima irreverente surgiu paralelamente nas retinas da Norina que lhe segredou:
— Vai e que sejas muito feliz, que bem mereces, Marta!
— Obrigado por tudo, Norina! — balbuciou a noiva, emocionadíssima, segurando cuidadosamente o ramo e solevando a parte dianteira do vestido para não o pisar.
— E tu porta-te bem, ouviste, Verónica?
— Eu não sou nenhum bebezinho, mamã! Anda lá, Marta, que o rabo seguro-to eu! — ordenou irónica, levantando os três metros de cauda rendilhada que a noiva cortaria em pedaços para oferecer aos convidados que participassem generosamente na arrematação do sapato.
Meio desajeitado, mas sempre nos sítios certos, o fotógrafo não parava de disparar flashes e sorrisos a torto e a direito, inquieta, a viúva foi avisando:
— Veja o que anda a fazer! Olhe que se o trabalho não ficar em condições, eu não pago!
— Esteja descansada, que, com uma noiva assim, nada pode correr mal!
— Depois veremos, depois veremos. Ah, não se esqueça de fazer meia dúzia de fotos a essa menina!... Olhe que é minha filha!
— O quê?! Não me diga que...
— É verdade, não pareço, mas eu já sou burra velha!
— Se for tão fotogénica e tão bonita como a mãe... — adiantou o repórter de costas, virando-se subitamente e fotografando-a de mão estendida.
— E as provas? Quando é que eu as posso ver?
— Depois... — murmurou distante.
Antes de arrancar, Marta ainda acenou, mas Norina já não estava lá para ver.
Como os curiosos enchessem a praceta do S. Pedro, um convidado, que era polícia, desviou o trânsito pela subida do jardim; diante da porta da igreja, o Júlio, de braço dado à mãe, não se cansava de se virar e consultar a irmã, que lhe daria o sinal para avançar, quando o carro do padrinho surgisse diante da flechas da sede do Partido Popular Democrático; os convidados, alinhados por casais, estavam prestes; o padre consultava o relógio e os sinos repicavam o meio-dia quando o noivo viu a mana ordenar-lhe que andasse e, sorrindo aliviado, avançou serenamente, cumprimentando o sacerdote que o iria casar; uma salva de palmas, fazendo coro com os alaridos dos curiosos e ao buzinão do Mercedes florido saudou a chegada da noiva; e logo uma chuva de interjeições deu brado e vida ao espanto de quem assistia a tal espectáculo, ecoando de boca em boca: ah!!!... Oh!!!
— A noiva parece uma princesa! — opinou uma curiosa, esticando-se toda para ver.
— Mas cabelos mais louros! Quem me dera ter uma cabeleira assim, Maria!
— E o ramo?! Ah, que ramo mais chique!
— E a menina das alianças?! Já viste a menina das alianças, Nair?
— Ah!, é a Verónica do Arménio!. Realmente a miúda é bem gira! Tem a quem sair!
— Mas..., e a Norina?! Coitada da Norina, a sorte foi bem madrasta, não foi, Maria?
— Ah, deixa lá, tomara eu ter a vida dela! Tem dinheiro, vive num palácio...
— Pois, mas é muito infeliz!... Bom, enquanto o padre os casa, ainda vou cozer umas batatas com ovo e cebola ao meu Joaquim - disse a Nair, fugindo da desdenhosa que invejava a desgraça da ex-vizinha e dona da casa onde vivia no Calvário.
Uma hora depois, os convidados começavam a sair da igreja, fazendo companhia aos garotos mais traquinas e irrequietos que haviam passado o tempo em aleluia diante da porta principal; pouco depois surgiram os taxistas com os seus carros bem lustrados para saudar e homenagear mais um colega que entrava para o rol dos casados.
Um fluxo mais intenso e apressado de convivas anunciou a saída iminente dos pombinhos; as meninas com os cestinhos das flores e os saquinhos de arroz abeiraram-se da porta e a criançada começou a aglutinar-se à volta delas, enquanto os anónimos se empoleiravam onde podiam para ver os nubentes; mal o fotógrafo surgiu de costas e aos recuos a disparar para o interior o seu flash de luz, ecoou repetida e estridentemente pelos ares:
— Vivam os noivos!!! Vivam os noivos!!!
E logo uma nuvem de flores se abateu sobre o Júlio e a Marta, que, de mão apertada, não paravam de sorrir, indiferentes às picadas dos grãos de arroz que as meninas lhes atiravam para onde calhava, apesar da senhora Soledade lhes pedir para terem cuidado; depois, abrindo alas à força, os taxistas vieram oferecer um ramo de flores à noiva, beijá-la, abraçar o colega e, entoando a melodia que o padre Minhava fizera para a cidade, cantar afinadinhos ao som de um bandolim:
— Marta Maria, ó que linda és, tem o Júlio aos pés em adoração; Marta Maria como és gentil beija-te Julinho, adora-te o Julião! Marta Maria, ó que linda és...
Um bravo da Verónica acelerou a cadência e deu mais ânimo aos cantadores, que, entusiasmados, repetiram euforicamente o verso ensaiado à pressa na véspera, forçando a multidão a cantar com eles em uníssono, antes das palmas que todos bem mereceram.
Emocionados com a surpresa, os noivos agradeceram a simpatia dispensada e, acenando, entraram com a Verónica para o banco traseiro do Mercedes, seguindo para os jardins floridos do parque, de que a capital transmontana tanto se orgulhava, onde tiraram as fotografias individuais, porque os convidados que quiseram as haviam tirado no altar de talha dourada do S. Pedro.
Dali partiram para o restaurante do Manuel Feliciano para iniciarem a boda. À chegada a família e os genros do patrão receberam-nos com um largo sorriso e um bonito jogo de cama bordado na ilha da Madeira; a Maria quis mesmo que os noivos tirassem uma foto com a Cindy , a menina que ela dera ao baboso Zé Pinto; a Zélia, essa, mantinha-se elegante como antes, pois o Chico, o marido, não queria que ela engravidasse antes de gozarem bem a vida. Preocupada com o paladar da comida, a Rita do Barrigana, acenou apenas e, levando com ela o cheiro do peixe, voltou para a cozinha, enquanto o homem afastando orientava os serventes. Se houve convidados que não tomaram o aperitivo sem os noivos chegar, a maior parte não resistiu àquele sequioso dia de Verão e encostou-se imediatamente ao balcão, filando-se logo na cerveja e no vinho verde.
Acolhidos por uma ruidosa salva de palmas e o estridente tilintar dos garfos nos pratos, que reclamavam o habitual beijo dos noivos, Júlio e Marta sorriram e, acenando envergonhados, uniram as suas bocas, fazendo a vontade aos convivas. Depois, sentando-se ao lado dos pais e dos padrinhos. Verónica, sempre atarefada com o véu e o penteado da noiva, só se sentou entre o senhor João e a senhora Soledade, quando viu que todo o mundo estava sossegado.
— Eles estão muito bonitos, pois estão, filhinha? — sussurrou a velhota toda orgulhosa.
— A Marta parece uma princesa, mas o Júlio também está muito bonito! — murmurou baixinho a pequenita.
— Oxalá sejam muito felizes e Santo António me dê um netinho bem depressa, senão ainda morro sem ser avó.
— Tchut! Come e cala, mulher, que os outros ouvem! — disse o senhor João, mirando a canja de galinha que o servente acabava de pôr à frente da esposa.
Rindo da desavença dos emproados velhotes, Verónica piscou à Marta que lhe lançou um beijo à moda dos artistas de cinema, logo imitada pelo Júlio que, atento a tudo, escutara os cochichos e sorrira maliciosamente, revelando o desejo da sogra à esposa que riu e acenou o dedo ameaçador à mãe.
Enquanto a boda corria às mil maravilhas e Marta vivia os mais felizes da sua vida, Norina, sentada à sombra de um choupo que mergulhava a s raízes no rio, lia os foto-romances que comprara dias antes, mas que a azáfama da última semana a impedira de ler; encorajada pelo sossego do aprazível lugar e pelo Sol escaldante, despiu a blusa, puxou a saia, aproveitando para bronzear a esbranquiçada pele morena e, deitando-se de bruços, deixou-se absorver pelo enredo da história que tinha entre mãos, esquecendo-se de tudo.
— D. Norina!!! — gritou-lhe alguém.
Ignorando o grito, continuou a ler; pouco depois, sentiu passos apressados e virou-se para ver quem era, mas não viu ninguém; intimidado, o fotógrafo ofegante agachara-se.
Ah! àquele olhar fascinante da mulher que acabara de descobrir na escuridão do laboratório vinha agora sobrepor- se- lhe a nudez ociosa, enfeitiçando-o terrivelmente.
— Âaah! D. Norina, trago-lhe aqui as suas fotos! — exclamou confuso, desviando os olhos para que ela cobrisse as pernas e vestisse a blusa.
— Mostre-mas lá! Ficaram bonitas, senhor?... — perguntou mais acautelada.
— Jorge, mas..., tome, veja — disse corado, apercebendo-lhe os contornos lúgubres.
— Foi rápido. Ah!... — balbuciou envergonhada, descobrindo as fotos do seu rosto.
— Gosta?
— Não me imaginava assim! Sinceramente... Nunca pensei que pudesse... Parabéns, Jorge! Sim senhor, você é um artista! Mas..., quanto lhe devo?
— Pelas provas nada.
— Nada?!
— Bem, mas gostava de lhe fazer uma foto assim descontraída...
— Descontraída? Como?
— Assim sentada, com o rosto apoiado no joelho... — balbuciou nervoso, fitando-lhe demoradamente os olhos tímidos.
— Trouxe a máquina consigo? — inquiriu confiante a ninfa da cachoeira.
— Por acaso trouxe.
— Então vá buscá-la e faça-me lá essa foto... Mas eu pago-lha! — bradou risonha, olhando o fotógrafo que, picado pelo aguilhão da sedução, desatou a correr pela vinha fora.
E, ainda ela mal se ajeitara, hei-lo que surgia ofegante nas suas retinas enamoradas. Avistando-o ao longe, Norina vira-o galgar os geios, mas nem se mexera, adoptando a posição que ele gentilmente lhe aconselhara. Os seus olhos falaram-se com um sorriso. Empunhando a sua Cannon, o fotógrafo desculpou-se e, ajeitando-lhe as mãos, a blusa e a saia, disparou por três vezes o flash, eternizando aquele momento mágico.
— Obrigado, D. Norina!
— É tudo?
— Sim, obrigado!
— E agora quando me trás as provas?
— Talvez amanhã ou segunda-feira.
— Hoje já não é possível, pois não?
— Não prometo nada... Ainda tenho que fotografar o bolo da noiva e...
— Bom, se não for possível, então segunda-feira...
— Ah! esteja descansada que hoje já não me vou deitar sem ver como ficou.
— Também não precisa de ser assim tão apressado, Jorge!
__ Pois, mas eu é que não consigo dormir sem ter a certeza de que fiz tudo bem!
— Pronto, estamos entendidos: se não vier aqui mostrar-mas, lá irei vê-las ao Márius.
— Adeus e obrigado! A sua filha é muito bonita, D. Norina, mas...
— Mas?!...
— Oh, não é nada! — escusou o fotógrafo trémulo, retirando-se à pressa para que o seu olhar confuso não o traísse, tão subjugado se sentia.
— Agora o Jorge não mostre as minhas fotos a ninguém que eu não sou nenhuma actriz. Veja lá, conto com a sua discrição.
— Fique tranquila...
— Depois falamos e..., obrigada!
— Não tem de quê! O prazer foi todo meu! Adeus!
— Adeus! — bradou a viúva, erguendo-se e calçando os chinelos para voltar para casa.
Passando perto do Leão teve pena dele e soltou-o. Latindo e pulando feliz, o bichinho correu logo pelo prédio abaixo e foi mergulhar o focinho no rio, regalando-se a lamber aquela água fresca que serpenteava pelos rochedos do Corgo. Trancada sozinha na vivenda, Norina bebeu um refresco de café gelado e pegou nas provas que o fotógrafo lhe deixara, deitando-se a admirá-las sobre a colcha de seda que comprara a uma cigana no mercado. Nos seus olhos renascia novamente a esperança de um grande amor e, por segundos apenas, imaginou-se com o Jorge a fotografá-la e a desejá-la como minutos antes: o seu coração começava a embalar-se e violentar-lhe o peito, balançando-lhe os seios e a tumescência daquele sentimento platónico fê-la tocar-se, apalpar-se e gemer voluptuosamente, molhando de saliva os dedos e acariciando os mamilos erectos. Sucumbindo à libidinosa tentação, começou a massajar suavemente a vulva com um dedo primeiro, com dois e três depois, até que a iminência de um orgasmo torrencial a obrigou a terminar a masturbação no bidé e, saciada a febre do desejo, acabou por tomar um banho revigorante para lavar a alma pecadora.

No horizonte, o clarão vermelho do Sol inundava os contrafortes da serra do Marão, quando ouviu a sirene dos bombeiros e viu os auto tanques passarem por cima da ponte como os bólides para os lados de Abambres? Virou-se para os seguir e as suas retinas enfunadas foram deslumbradas pelas labaredas de um fogo que lavrava para esses lados e a inevitável questão surgiu nos seus lábios porquê? É que naquele ano os fogos haviam sido tantos, que no norte se dizia à boca cheia que Portugal seria comunista a bem ou mal, nem que para isso fosse preciso queimar tudo para recomeçar do nada a tão apregoada sociedade igualitária e fraterna que os marxistas tanto apregoavam.
Perto da dez horas, ouviu o ruído ronronante de um motor a gasóleo e saltou do sofá para ver: Carmina!!! — bradou por dentro.
— D. Norina! — gritou a professora da rampa, vergada por dois sacos de praia.
— Espere aí que eu vou ajudá-la! — respondeu risonha, acenando-lhe saudosa.
Calçando os chinelos, desceu as escadas e, vendo o cão correr, berrou enérgica:
— Leão!!! Para trás, Leão!!!
Obediente, o animal estancou a corrida, pondo a estranha em respeito.
— Uf! Pensei que ele me ia morder, Norina! — confessou aflita, beijando-a.
— A senhora professora...
— Norina! Se és minha amiga, trata-me por tu! Além da senhora me fazer mais velha, não te esqueças que a liberdade nos trouxe um pouco mais de igualdade...
— Então a Carminda vem de Valpaços?
— De Valpaços?! Do Estoril, Norina, do Estoril!
— Mas não era para o Algarve?... — retorquiu duvidosa, pegando num saco.
— Era, mas depois mudei de ideias. E a Verónica?
— A Verónica está no casamento da Marta.
— A estas horas?! Nunca pensei que a Norina fosse tão liberal e...
— A Verónica só tem dez anos, mas é muito sossegada. Além disso, a senhora Soledade e o senhor João querem-lhe como se fosse neta deles.
— Desculpa incomodar-te a estas horas...
— Ora essa, o convite não marcava dia, nem hora, pois não.
— Pois, mas...
— A Carminda tem cada ideia!... — adiantou cabisbaixa, retendo o cão pela coleira.
— Segura-o bem que... — avisou a professora desconfiada, sempre de pé atrás.
— Eu sei, tens muito medo! Eu sei! — recordou Norina, rindo gozadora.
— Se é para se rir de mim, vou-me embora, menina! — ironizou envergonhada.
E, empiscando-se uma à outra, lá subiram as escadas, deixando o Leão em liberdade.
Depositando imediatamente o saco no quarto de hóspedes, Norina correu a ligar o gás do esquentador para que Carminda tomasse banho quando quisesse. Enquanto isso, a veraneante pegou numa t-shirt larga e num calção e seguiu-a.
— Tem aqui xampu e sabão. A toalha está no armário. Espere que...
— Esta serve bem, Norina! — disse prontamente, interrompendo-lhe a diligência.
— Oh, essa deve estar molhada, Carminda!
— Não está nada, Norina — respondeu distraída, mirando-se ao espelho.
— Quem me dera ter esse bronzeado! O Estoril...
— É bom, mas as praia do Algarve são muito mais limpas e mais quentinhas.
— Pronto, toma lá o banho que...
— O Texas deixou-me imunda! — exclamou desavergonhada, ficando toda nua.
Colhida de surpresa, Norina não teve como desviar os olhos e, corando, saiu, fechando a porta atrás de si; o triângulo vaginal, os seios descaídos e os contornos do corpo da professora amedrontaram-na; quem lhe dera ser assim tão desinibida!
Debaixo do chuveiro, a libertina não parava de cantarolar e trautear a melodiosa cantiga revolucionária somos livres, repetindo uma gaivota voava, voava..., como ela somos livres de voar..., intercalada por suspiros de apreço pela água que lhe desempoeirava a nudez.
Depois do banho, pegou na toalha, secou-se à pressa e, vestindo à pressa a t-shirt e o calção, enxugou o cabelo, friccionando-o e abanando a cabeça como uma tonta, enquanto a Norina a aguardava na cozinha, revendo as fotos que o Jorge lhe deixara.
Sentindo os passos da hóspede no corredor, atirou-as para cima da mesa e deitou as mãos a uma cafeteira para ferver água.
— Eu só vou tomar um café com bolachas, Carminda quer que lhe faça outra coisa, uma sopa, um arroz, sei lá!, lhe frite um bife?...
— Não me achas gorda que chegue, Norina?
— Gorda a Carminda?! De modo nenhum! Eu é que sou para aqui uma magricelas...
— Magricelas tu, Norina?! Só quem for cego é que não vê que és uma falsa magra!
— Vá!, agora também não me digas que sou gorda, que me zangas!
— Ah!..., mas estas fotos estão uma classe! Quem tas fez? — perguntou curiosa, admirando as provas que o Jorge lhe deixara.
— Quando me trouxe isso, o fotógrafo quis fazer-me outra de corpo e inteiro e eu deixei, mas nem sei se fiz bem se fiz mal. Será que ele a vai utilizar...
— Ah! com certeza, para publicidade, se for uma obra de arte, a não ser que a tenha tirado por prazer.
— Por prazer?! Não sei como.
— Bom, se foi por prazer não sei, mas que ele se apaixonou pelos teus olhos, pelo teu rosto, pelo..., enfim, é evidente e a prova está aqui - assegurou convicta.
— Isso é que eu não queria, Carminda.
— Não querias o quê? Apaixonar-te?
— Sim, eu jurei fidelidade eterna ao Arménio e, apesar de infelizmente Deus mo ter levado assim tão cedo, mais nenhum homem se gabará de me ter gozado, Carminda - afiançou orgulhosa.
— É uma pena que penses assim! Tu ainda és tão nova, Norina! Oh! tu dizes isso agora, mas no dia em que o amor te bater de novo à porta, verás que o teu coração não acatará essa tua birra. A felicidade, Norina, não tem horas para chegar, nem para partir, sabias?
— Não, mas fiquei a saber há um ano atrás, quando, de um momento para o outro, um simples telegrama, três palavras apenas, bastaram para me arrancar do Paraíso e me atirar para as profundezas do Inferno! Ó Carminda, aquilo foi e é tão duro, sobretudo por eu não ter visto enterrar com os meus próprios olhos, que não há no mundo felicidade que valha...
— Por favor, Norina, fecha-me lá esses teus olhos tristes que me metem dó! - implorou a professora enternecida, pousando as fotos e mastigando em seco.
— Se eu tivesse conhecido outros homens antes, talvez não fosse assim, mas e para mal dos meus pecados, Deus quis que eu fosse forte e tivesse resistido aos avanços do fanfarrão que se gabava de me ter gozado, quando nem que me tocasse o autorizei...
— Eh! tchut! Nada de confissões! — interferiu enérgica, rindo maliciosa.
— O quê?! Tens medo de te confessar, Carminda?!
— Não, vergonha, Norina, muita vergonha! Eu sou uma pecadora...
— Sou?! Não me digas que ainda entendeste que os homens...
— Entender eu já entendi há muito tempo, mas... Que queres? Habituei-me a...
— Pois, assim nunca chegarás a conhecer a felicidade e..., não digo nada...
— Diz, Norina, diz! - insistiu enternecedora.
— Depois, talvez, agora não que a Verónica deve estar a chegar.
— Está bem, amanhã falamos — anuiu a acalorada, tirando a toalha da cabeça.
Pouco depois ouviu-se o Leão latir e anunciar a chegada do fotógrafo com um envelope e a Verónica pela mão.
— Aqui a tem, D. Norina! — exclamou o moço, entregando-lhe também o envelope.
— Obrigado, Jorge! Mas..., então já se vai embora? Entre!
— Muito obrigado, D. Norina, mas o casamento ainda não acabou.
— Se é porque a foto não ficou bem...
— Ah, não! Consigo qualquer um é bom fotógrafo! Obrigado e muito boa-noite! - gritou sorridente, acenando do fundo das escadas.
— Senhora professora!!! — bradou Verónica surpreendida, dando com os olhos na mestra que, depois de espiar o Jorge pela janela, não resistira a vê-lo mais de perto.
— Ui! Mas tu pareces uma princesa!
— Ah, a senhora professora devia-me ter visto de manhã, antes do meu vestido estar todo amarrotado, bem penteadinha e com os lábios pintados!
— O quê?! E a tua mãe deixou?! — retorquiu mimalheira, abraçando-a e beijando-a.
— Eu acho que ela também queria pintar os dela, mas...
— Verónica!!! Tu vê lá o que vais dizer? — precaveu a mãe, corando ligeiramente.
— Já não digo mais nada! E a mamã que tem que estar aí a ver as minhas fotografias? — volveu a filha raivosa, tentando agarrá-las.
— Alto lá! Deixa-mas separar e..., e..., toma vai mostrar à senhora professora como estavas de manhã e não sejas linguaruda!
— Eu não sou linguaruda! — gritou nervosa, correndo contrariada para o quarto.
Precipitando-se atrás dela, Carminda acalmou-a e, mimando-a, viu as fotos que o Jorge lhe tirara no jardim e lhe ampliara quando foi revelar a última que tirara à mãe; apaziguada, a menina despiu o vestido e, vestindo o pijama, enfiou-se entre os lençóis, dormindo como uma pedra, enquanto a mãe e professora viam as fotos e, tomando o café, se perdiam em confidências, indiferentes ao filme que desfilava no ecrã.
E passava já da meia-noite, quando, apoquentadas de sono, desligaram o transformador e foram-se deitar, sem, contudo, conseguirem pregar o olho, tão excitadas se sentiam, depois dos galanteios mútuos trocados no sofá.
— Posso dormir contigo, Norina? — sussurrou a aventureira, abrindo cautelosamente.
— Podes, mas..., estás a ver?, acautela-te que eu durmo como uma grade — respondeu baixinho, agarrada ao travesseiro, mostrando como abarcava a cama toda.
Enfiando-se entre os lençóis, deitou-se no quentinho deixado livre pela Norina, que lhe concedera metade do leito, estendendo-se ao comprido, enquanto a sonâmbula se encolhia timidamente no seu canto, virando-lhe as costas, e assim adormeceram.
De manhã, ao acordar, Norina viu que o lugar da Carminda estava frio. Erguendo-se em bicos de pés, foi ao quarto de banho e, curiosa, espreitou para o quarto dos hóspedes, descobrindo-o vazio; sorrindo, dirigiu-se para a caminha da Verónica e viu-a dormente e abraçada à professora, que, de olhos abertos, não parava de bocejar.
— Ei! Andaste aos gambozinhos? — indagou irónica a média voz.
— Realmente não deixas dormir ninguém tranquilo, Norina! — adiantou queixosa.
— Eu bem que te avisei!...
— Com o teu marido também eras assim? — perguntou curiosa, bocejando cansada e retirando docemente os braços da pequenita.
— Não porque ele me amarrava — segredou envergonhada, saindo para o corredor.
— Ai ele amarrava-te?! Então era mais esperto que eu!
— Não, o Arménio gostava muito de dormir com a cabeça no meu peito...
— Ai o mamão! — bradou ciumenta, coçando inadvertidamente a púbis.
— O Arménio era um anjo para mim, Carminda, e é por isso que eu não me habituo à ideia de algum dia ter outro homem nos meus braços. Não adianta, jamais esquecerei os momentos felizes que passei com o meu marido. Com ele, eu tinha a impressão de ser uma princesa, amada e respeitada, adorada, beijada, enfim... Eu sei que o Arménio era doidinho por mim! Eu sei, Carminda! — repetiu entristecida.
— Vá!, também só me faltava mais esta! Eh!, tu não vais chorar, pois não, Norina?
— Bem me apetecia, mas...
— Então chora, mulher! Então chora, que não pagas nada! — desabafou irónica.
— Oh!... — choramingou tristonha.
— Oh, pronto, pronto! Encosta a tua cabecinha ao meu ombro e chora - trauteou afinada, abraçando-a carinhosamente — que me vou embora, que me vou embora...
— Está calada que a Verónica pode ouvir! — suplicou-lhe a soluçante, mirando aflitivamente o corredor para se certificar se a filha as via.
— Desculpa, se pensaste que eu te estava a gozar e acredita se quiseres, mas...
— Mas nada! Além de muito atrevida e safada, a menina é sobretudo muito mentirosa! - sussurrou raivosa, com riso trocista nos olhos.
— Ah! Ah! A mãezinha é má! Ah! — queixou-se chorona, simulando lágrimas.
— Mas não, filhinha, mas não! — retorquiu falsamente mimalheira, para adiantar ameaçadora: - Pensas que me enganas, sua safada?!
— É, tens jeito para o teatro! E...
— E... — repetiu hilariante, rindo a gargantas despregadas.
— O padre Maximino... Conheces- o?
— Não. Porquê? É jeitoso?... Ah, não me digas que!...
— Por acaso até bem jeitoso..., já não é padre..., tem um bom emprego..., e, sobretudo, é amigo dos comunistas e como o Otelo e o Cunhal vão acabar por dominar o Conselho da Revolução..., nunca se sabe se ainda não vou precisar...
— Ó rapariga, tu pinar pina com quem quiseres, se é isso que gostas, mas, por amor de Deus, nem a brincar te atrevas a falar de comunismo que isto vai dar para o torto. Olha, o melhor será pedires a tua transferência e ir dar aulas para o Alentejo!
— Olha, não te sabia tão decidida! — acrescentou boquiaberta.
— Ó Carminda, tu não me fiques para aí feita pamonha, que ainda nunca me viste zangada, carago! — bradou entusiasmada, pegando repentinamente o rolo da massa que estava pendurado junto dos utensílios da cozinha e brandindo-o ameaçadora.
Surpreendida com aquela genica, a professora encolheu-se toda e concluiu irónica:
— A mãezinha não me bata que eu não volto a fazer outra.
— Oh! Oh! Vós destes em malucas ou...
— Não, só estamos a ver se temos jeito para o teatro! — esclareceu prontamente a professora, empiscando à inesperada e perplexa Verónica.
— Vai-te calçar que te constipas, filha! — ordenou a mãe, vendo-a descalça.
— Então a senhora hoje não vai à missa?! — questionou a criança.
— Não, filha, hoje não tenho disposição para ir escutar o padre: dormi mal durante a noite e dói-me a cabeça — desculpou-se a mãe.
— Pois olhe, se o Júlio e a Marta forem e me levarem...
— És bem tolinha! Hoje o Júlio e a Marta ficam todo o dia na cama!
— A fazer o netinho da ti Soledade? — arguiu maliciosa, fugindo a rir às gargalhadas.
— Oh! Tu não digas asneiras! Olha que o Pai do Céu ralha!...
— A Verónica é um amor!
— Pudera, tem a quem sair! — exclamou a mãe orgulhosa, emproando-se toda e empiscando maliciosamente à professora, que, fitando-lhe os mamilos salientes, corou profundamente e correu atrás da aluna.
Pegando no bule, Norina começou a mexer o café, cujo aroma se esgueirou pelos corredores da vivenda e subiu até à mansarda, convidando as segredeiras a descer e a bebê-lo bem quentinho.
Finalmente, faltaram todas à missa naquele domingo. Ao meio-dia apareceu lá em casa a Maria Feliciano com o marido, a Cindy e um prato com o bolo da noiva que o estouvado do fotógrafo esquecera no frigorífico do restaurante, na véspera, tão apressado que estava. Encantado com a vivenda, que visitava pela primeira vez, José Pinto, depois de tecer as mais elogiosas considerações sobre o falecido, que conhecera naquela sexta-feira, 13 de Agosto de 1971, quando o Faia lho apresentou na taverna do sogro, pediu à viúva a planta da casa e o endereço do empreiteiro, pois também tencionava justar uma: é que, apesar da gentileza dos sogros, repetindo um slogan do Eusébio na televisão, disse, quem casa quer casinha; simpatizando com o Zé Calhordas, que o passador tanto gozava no início, Norina quis pedir-lhe informações sobre o ex-chefe, mas, temendo ser má compreendida, retraiu-se, deixando isso para uma oportunidade ulterior, quando a Maria e a Zélia, os maridos e os pais, se dignassem vir almoçar com elas no dia que mais lhes conviesse, pois nunca esquecera a ajuda que todos lhe haviam prestado aquando da fatalidade. Sensibilizada com os mimos com elas lhes tratavam a Cindy, a filha do taberneiro aceitou e prometeu voltar com a Zélia e o Chico para que eles, que também pensavam construir, vissem a vivenda; antes de repartir e porque iam almoçar, os emigrantes aceitaram beber um copo: Zé Pinto tomou um Martini Rosso com gelo, enquanto Maria preferiu um moscatel de Favaios.
À noite, depois de uma tarde a bronzear e a ler à beira do rio, Norina arranjou uma salada de alface com tomate, cebola, atum e azeitonas, pois, dizia, precisava de perder uns quilos para poder vestir um fato de banho, se, como prometera à Carminda, chegasse a ir passar dois dias à praia; ainda condimentavam a salada quando surgiram os pombinhos aos beijinhos; a caminho do Vidago, onde passariam a lua-de-mel, Marta e Júlio quiseram apenas confiar à Norina o segredo do paradeiro até ao dia 15 de Agosto.



Continua em Capítulo X

LMP - Luxemburgo 1984 - Lud MacMartinson

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