Confidência a uma Índia,
o meu primeiro sonho:
BRASIL !
Oi Naiá, tudo
começou muito cedo...
" Eu era
menininho de bibe e pião, teria talvez cinco anos, quando pela primeira vez
ouvi pronunciar a palavra Brasil.
Ainda me lembro
como o meu coração pulou de alegria!
Naquele ápice, o
Brasil não era nada de concreto para mim: nem uma imagem, nem um país, nem uma
pessoa, nem um pássaro, nem uma nuvem, nem num cheiro, nem um pensamento: um
sentimento apenas, nada mais! Talvez uma sensação estranha, um sinal do
destino!
Aos oito anos,
quando a minha percepção do mundo e o meu conhecimento já eram maiores, soube
que o Brasil, afinal, era um país que ficava lá longe, muito longe, para lá das
montanhas e do mar; um lugar onde meu avô paterno, que eu não conhecera,
repousava para sempre!
O Brasil era a
terra para onde meus tios, nascidos no Rio, voltariam em breve.
O meu tio era o meu
ídolo, mas o Brasil era magia, era alegria, era encanto, era uma oração, um
desejo, um desígnio para mim! Não sabia explicar, mas era algo de muito
estranho: uma tentação, um fascínio, um iman que hipnotizava o meu olhar e
mantinha o meu coração em alerta!
Pronto, posso dizer
que aos oitos, um menino transmontano, que não conhecera nem respirara ainda
outro ar que o sua aldeia natal, Fiolhoso - Murça, no distrito de Vila Rel, nem
tampouco subira e descera o Marão transmontano e muito menos atravessara o
oceano, sonhára com um lugar, o paraíso onde a sua alma se deitava todas as
noites: o Brasil!
Nessa idade, esse
menino não conhecia a história, nem sabia nada do passado, mas sonhara e
atrevera-se a jurar diante de toda a gente que quando fosse grande iria ao
Brasil.
Que coragem para um
menino ousar afrontar, desafiar e contradizer o mundo dos adultos e dos
impossíveis ! A minha vida tem sido assim : sonhos, desafios e paixões !
Ainda me recordo
como se fosse hoje:
__ Tio, quando eu
for grande irei ao Brasil! - disse sério, impávido, desafiando quem me ouvia!
" Ah! Ir ao
Brasil!? Como é ingénuo e sonhador o Luisinho! Dizer que vai ao Brasil! Ah,
isso não é para toda a gente, isso não é para qualquer um !
Para tal, teria que
vender uma leira ( terra ) para pagar a passagem e fazer aquela longa viagem...
" - devem ter pensados os adultos que me olhavam com ar de troça.
Coitados, eles até
pensavam que sabiam e podiam tudo lá na aldeia, mas não conheciam nem
desconfiavam da força do sonho.
Que tristeza passar
pela vida como cão por vinha vindimada !
Estávamos em Março
de 1963!
Entretanto, os tios
cariocas e a avó do Luís - assim se chama(va) o menino, haviam regressado ao
Rio; de vez em quando lá chegavam as cartas vindas do Brasil e a cada entoação
do nome, era uma respiração suspensa, um desejo, uma fome imensa!
O Brasil !!! É
longe? Tenho que ir ver, tenho que saber como é e onde fica o Brasil !!!
O Luís fizera a
escola primária; saíra da aldeia e fora estudar para vários colégios!
Num deles
descobrira uma biblioteca que era um quarto onde se deitavam e dormiam os
livros...
Imagine qual foi a
primeira curiosidade que quis satisfazer quando lhe disseram na enciclopédia
estava tudo?
É óbvio: o Brasil!
Os anos passaram-se
e o "seminarista" - condição exigida pela mãe para lhe pagar os
estudos - continuava a sonhar com o Brasil.
Só que o sonho virara
paixão, e a paixão obessão, quase demência, condição "sine qua non "
da própria existência.
Entretanto, em
1973, 10 anos depois de " garantir a pés juntos que quando fosse grande
iria ao Brasil " o seminarista batera com a porta na cara de quem o queria
ver padre, bispo, sei lá, porque não Papa, tanta era " a santidade "
daquele espírito introvertido, que aos 14 anos conseguia inventar rimas e
pensamentos mais profundos que os próprios mestres!
Em 1974, preso e
queimado no turbilhão da Revolução, o pré-universitário, - com quarto alugado
em Coimbra onde a faculdade seria mera formalidade para quem queria ser
advogado,- tomou uma decisão que mudaria radicalmente a sua vida e, sem saber o
faria realizar o sonho de menino mais depressa:emigrar!
Aos que lhe
ofereceram uma vida de sonho a defender o materialismo ateu, disse furiosamente
não; aos que lhe garantiam cargos e honras disse simplesmente obrigado e aos
que lhe pediram para esperar e ser " doutor" disse serenamente:
na vida nunca há
esperas, mas vícios e desperdícios!
" Prefiro
partir, deixar de ser o " alguém " que todos dizem que serei aqui,
mas escravo de um ideal nefasto que não partilho e sei falacioso ! " -
pensei peremptório nessa noite de Novembro de 1975, depois de lutar por uma
democracia que colocasse a pessoa humana no centro de tudo, mas com exigência,
disciplina, exclência e justiça implacável para quem confundisse Liberdade com
boçalidade e arbitrariedade!
" Emigrarei,
conhecerei a tristeza e a dor amarga da saudade e serei sempre um homem
simples, mas livre ! Serei um Luís ninguém, se isso for preciso for e o destino
mo impuser, mas realizarei este e todos sonhos que hei-de sonhar !" -
gritei endofasicamente, decido a ser actor do meu destino, a assumir as minhas
escolhas, os meus actos e os meus fracassos - se os houvesse - como uma
oportunidade para ser melhor e ir mais além...
E o estudante,
ex-professor, virou garçon!
Foram 3 meses
apenas, mas muito importantes para mim! Depois o garçon não se deixou enrolar
pelo patrão, que o queria roubar, e partiu, sempre confiante de que algo melhor
haveria de lhe acontecer!
Dias depois, uma
semana, pela mão que um amigo – o Arménio – foi fazer um teste numa empresa ! Cinco
minutos apenas e hei-lo com o futuro garantido na maior multinacional do país,
o Luxemburgo, um anão com alma de gigante, que o colhera de braços abertos!
E o Brasil?
Morrera? Desistira? Nem pensar!
O Brasil era uma
paixão antiga !
Uma tarde de Dezembro
de 1979, passeando na avendida da Liberdade, o Luís olhou a vitrina e deu com
os olhos no Cristo Redentor de braços abertos.
Sorriu, apalpou o
bolso e entrou na agência de viagens.
Uma hora depois, o
Luís chegava a casa e, esboçando o maior sorriso da sua vida, dizia para o pai,
que vivera até aos 18 anos no Rio, mas nunca mais lá voltara:
__ Estou muito
feliz, pai! Hoje passei o maior cheque da minha vida! Vou ao Brasil !!!
O meu pai
abraçou-me e chorou: eu tinha na mão o bilhete que ele nunca ousara comprar ! O
filho perseverante estava prestes a cumprir a promessa e a realizar o sonho de
menino.
Finalmente, eu
acabara de fazer o que o meu pai sempre desejara, talvez mais por ilusão ! É,
penso que ele sonhava por sonhar, sem muita ambição ! Eu não, quando sonho é
com convicção, com alma e coração !
No dia 14 de
Dezembro de 1979, vesti o meu melhor fato ( terno ), negro e pus a gravata:
desde os 10 anos que me habituara a trajar assim! Pequei na gabardina e
dirigi-me para o aeroporto, a 30 quilómetros : estava cheio de neve, 5 graus
negativos!
Poucas horas depois
aterrei no Rio de Janeiro. Como foi encantador ver o sol nascer de avião ! Como
foi reconfortante abraçar a família e matar as saudades !
Porém não era disso
o que o meu coração mais desejava e esperava, não era esse o Brasil que que
sonhara durante mais de 15 anos, mais de 6 000 ( seis mil ) dias e noites!
Durante quase um
mês, o menino, que ousara sonhar contra tudo e contra todos, descobrira os
encantos da Cidade maravilhosa e do Brasil; apaixonara-se por lugares bonitos;
fizera planos para comprar um terreno em Piratininga (
Niterói ) do outro
lado da Baía da Guanabara; conhecera o rodízio e admirara o charme das garotas
de Ipanema; mas nada disso lhe fizera ainda o seu o coração palpitar como
quando ele ouvira ecoar pela primeira vez nos seus tímpanos a palavra Brasil !
Não, não era aquele
o Brasil dos sonhos! O dele, o seu Brasil, quando o encontrasse, o seu coração
lho diria certamente!
Aliás, nem
precisaria de palavras: o pressentimento seria mais forte e mais lesto, talvez
um mensageiro divino a quem a aura bastaria para dizer tudo, mesmo que fosse
mudo, ele escutaria o apelo, sentiria aquele pulsar que o fizera sonhar assim!
Bom as férias
estavam quase terminadas, o encanto reconfirmado, o desejo de voltar imenso, e
vontade de comprar o terreno firme, portanto impunha-se abrir uma conta
bancária para enviar os dólares para o terreno e, quem sabe, a casa!
Na véspera do meu
regresso, enquanto aguardava pacientemente numa das filas de uma agência da
Caixa Económica Federal, meu tio, que não me largava com medo de ser assaltado,
foi abordado por um conhecido que lhe perguntou:
__ Quem é este
moço, Toninho!
__ O meu sobrinho,
o filho do Alexandre!
__ Da minha prima
Luisa?
__ Sim...
__ E quando chegou?
__ Volta amanhã!
__ O quê?! Você
recebe a visita do sobrinho, de um primo, de um patrício, de um vizinho e não
no-lo apresenta?! Estou a ver que veio da santa terrinha e não visitou nada!
__ Não, está
tranquilo, Zé, que o Luís ficou tão encantado com o Brasil, visitou muita
coisa, quer comprar um terreno em Piratininga: diz que é bonito !
Em poucos minutos o
Zé, que afinal era primo da minha mãe e embarcara rapazote para o Rio de
Janeiro, resolveu tudo: bastou empiscar ao gerente e pronto lá estava eu a
passar por cima de uns quantos..., meio envergonhado e contra a minha
vontade...
Depois, entrámos no
carro dele e voltámos para casa do meu tio, onde a minha avó nos preparou um
almoço.
__ Bom, Toninho,
vai trabalhar ( para a agência do Banco Central, no Rio ) que eu me garanto a
segurança do teu sobrinho! Agora ele fica por minha conta.À noite cá to trarei.
Passados 30 minutos
e muitos ziguezagues que me fizeram enjoar e embalar o coração, estava num
bairro da Zona Oeste do Rio!
Depois de me
apresentar à família e de me mostrar a casa, o primo da minha mãe ( os pais
eram irmãos )disse-me:
__ Você tem mais
primos aqui, Luís! Vem, que eu vou mostrá-los para você.
Foi como se
tivessem tocado num formigueiro ou acordado um vulcão!
Inexplicavelmente,
meu coração começou a embalar e bater apressado, as mãos a humedecer e um certo
nervosismo a apoderar-se de mim!
Naquele momento,
senti-me como alguém que procurou a vida inteira por um tesouro e, de repente,
quase já descrente, sente as emanações da sua presença!
Entrei no carro e
mal tive tempo de respirar e de enxugar o suor do rosto: já estava diante de
uns portões de uma vivenda com os azulejos da imagem de Nossa Senhora de Fátima
no frontespício!
Aos berros do meu
primo acorreram dois moleques lestos, descalços quase tão bronzeados como o
Pélé, de tanto soltar Pipa!
Seguiram-se três
moças intrigadas, os pais sorridentes e..., o meu olhar... sentiu o coração
bater da mesma maneira... meu Deus!
" O Brasil !!!
"
Um olhar profundo!
Um corpo franzino! Cabelos longos, castanhos! Um sorriso tímido,
envergonhado...
Descobriu, Naiá?
Uma Mulher era o
meu Brasil, aquele que mexia com a minha alma e acelerava o meu coração, aquele
que não deixava esmorecer nem perder a Fé e a Esperança, aquele que dormia
todas as noites comigo, como um anjo da guarda, mesmo quando, por vezes, as
vicissitudes da vida me faziam desanimar e pensar que estava no caminho errado.
O meu Brasil, a
minha razão de ser e de sonhar, chamava-se Lina e o meu coração já a conhecia
há muitos anos!
Assim de repente,
tive a impressão de ter conhecido noutra vida... Mas como me era familiar
aquele rosto, aquele sorriso, aquele olhar!
Depois das
apresentações, voltámos a casa do Zé para um cafezinho!
Instintivamente,
fiquei a sós com a Lina no terraço... As irmãs da Lina, os pais, os outros não
existiam mais, a minha timidez evaporara-se! Não sei se tinha que lhe falar ou
a olhar apenas, em silêncio, admirá-la! Vê-la sorrir, desejar aquele tesouro...
Com medo de que o
meu olhar não lhe exprimisse tudo o ques estava sentindo, ousei dizer:
__ Lina, acho que
agora sei, porque ando a sonhar com Brasil desde pequenino !
__ Ah bom?!
__ Mas a certeza, a
resposta, não sou eu quem a deve dar...
Lina corou! O meu
olhar dizia tudo, implorava a resposta que ela não deu, que não podia dar
ainda, porque não fora ela quem sonhara com o Brasil !
Cinco dias depois
chegou ao Rio a tão desejada carta a pedir-lhe namoro ! Lina já estava à espera
dela ! Alertada e aconselhada pela mãe, Lina só pode obedecer e dar a resposta
que o seu coração lhe sussurrava : sim !
Passados 18 meses,
já não havia dúvidas, mas muitas certezas, uma decisão a tomar e um juramento a
fazer!
Depois de pedir a
mão de Lina em casamento e ver meu pedido aceite(o), a mãe de Lina implorou,
sorrindo:
__ Esperai um
pouquinho!
Pouco depois,
voltou com uma foto de 1967, tirada perto da paragem do autocarro, no longínquo
lugar, a cerca de 20 vinte metros onde o menino tímido e introvertido sonhara
com o Brasil:
" Uma mocinha
franzina de 6 anos, mirava um moço vestido de terno e gravata negros que acabava
de chegar do seminário: era eu! "
Acho que você já
entendeu porque eu gosto tanto do Brasil! O Brasil é o sonho, é a paixão, é a
razão que deu sentido à minha vida!
O Brasil é o Amor
da minha Vida!!!!
Eu amo mais o
Brasil que milhões de brasileiros porque eu o inventei, o sonhei, o desejei, o
amamentei, o chorei e o guardei no coração sem nunca desfalecer, sem nunca
duvidar!
Eu te amo, meu
Brasil !
Sabe, Naiá, quando
um menino sonha, Deus sorri, se inclina, o beija, obedece e o sonho logo
parece!
Espero que tenha
gostado deste longo mail! Me desculpe se a enfado!!!
Beijinhos !
Confidência a uma Índia,
o meu primeiro sonho:
BRASIL !
Oi Naiá, tudo
começou muito cedo...
" Eu era
menininho de bibe e pião, teria talvez cinco anos, quando pela primeira vez
ouvi pronunciar a palavra Brasil.
Ainda me lembro
como o meu coração pulou de alegria!
Naquele ápice, o
Brasil não era nada de concreto para mim: nem uma imagem, nem um país, nem uma
pessoa, nem um pássaro, nem uma nuvem, nem num cheiro, nem um pensamento: um
sentimento apenas, nada mais! Talvez uma sensação estranha, um sinal do
destino!
Aos oito anos,
quando a minha percepção do mundo e o meu conhecimento já eram maiores, soube
que o Brasil, afinal, era um país que ficava lá longe, muito longe, para lá das
montanhas e do mar; um lugar onde meu avô paterno, que eu não conhecera,
repousava para sempre!
O Brasil era a
terra para onde meus tios, nascidos no Rio, voltariam em breve.
O meu tio era o meu
ídolo, mas o Brasil era magia, era alegria, era encanto, era uma oração, um
desejo, um desígnio para mim! Não sabia explicar, mas era algo de muito
estranho: uma tentação, um fascínio, um iman que hipnotizava o meu olhar e
mantinha o meu coração em alerta!
Pronto, posso dizer
que aos oitos, um menino transmontano, que não conhecera nem respirara ainda
outro ar que o sua aldeia natal, Fiolhoso - Murça, no distrito de Vila Rel, nem
tampouco subira e descera o Marão transmontano e muito menos atravessara o
oceano, sonhára com um lugar, o paraíso onde a sua alma se deitava todas as
noites: o Brasil!
Nessa idade, esse
menino não conhecia a história, nem sabia nada do passado, mas sonhara e
atrevera-se a jurar diante de toda a gente que quando fosse grande iria ao
Brasil.
Que coragem para um
menino ousar afrontar, desafiar e contradizer o mundo dos adultos e dos
impossíveis ! A minha vida tem sido assim : sonhos, desafios e paixões !
Ainda me recordo
como se fosse hoje:
__ Tio, quando eu
for grande irei ao Brasil! - disse sério, impávido, desafiando quem me ouvia!
" Ah! Ir ao
Brasil!? Como é ingénuo e sonhador o Luisinho! Dizer que vai ao Brasil! Ah,
isso não é para toda a gente, isso não é para qualquer um !
Para tal, teria que
vender uma leira ( terra ) para pagar a passagem e fazer aquela longa viagem...
" - devem ter pensados os adultos que me olhavam com ar de troça.
Coitados, eles até
pensavam que sabiam e podiam tudo lá na aldeia, mas não conheciam nem
desconfiavam da força do sonho.
Que tristeza passar
pela vida como cão por vinha vindimada !
Estávamos em Março
de 1963!
Entretanto, os tios
cariocas e a avó do Luís - assim se chama(va) o menino, haviam regressado ao
Rio; de vez em quando lá chegavam as cartas vindas do Brasil e a cada entoação
do nome, era uma respiração suspensa, um desejo, uma fome imensa!
O Brasil !!! É
longe? Tenho que ir ver, tenho que saber como é e onde fica o Brasil !!!
O Luís fizera a
escola primária; saíra da aldeia e fora estudar para vários colégios!
Num deles
descobrira uma biblioteca que era um quarto onde se deitavam e dormiam os
livros...
Imagine qual foi a
primeira curiosidade que quis satisfazer quando lhe disseram na enciclopédia
estava tudo?
É óbvio: o Brasil!
Os anos passaram-se
e o "seminarista" - condição exigida pela mãe para lhe pagar os
estudos - continuava a sonhar com o Brasil.
Só que o sonho virara
paixão, e a paixão obessão, quase demência, condição "sine qua non "
da própria existência.
Entretanto, em
1973, 10 anos depois de " garantir a pés juntos que quando fosse grande
iria ao Brasil " o seminarista batera com a porta na cara de quem o queria
ver padre, bispo, sei lá, porque não Papa, tanta era " a santidade "
daquele espírito introvertido, que aos 14 anos conseguia inventar rimas e
pensamentos mais profundos que os próprios mestres!
Em 1974, preso e
queimado no turbilhão da Revolução, o pré-universitário, - com quarto alugado
em Coimbra onde a faculdade seria mera formalidade para quem queria ser
advogado,- tomou uma decisão que mudaria radicalmente a sua vida e, sem saber o
faria realizar o sonho de menino mais depressa:emigrar!
Aos que lhe
ofereceram uma vida de sonho a defender o materialismo ateu, disse furiosamente
não; aos que lhe garantiam cargos e honras disse simplesmente obrigado e aos
que lhe pediram para esperar e ser " doutor" disse serenamente:
na vida nunca há
esperas, mas vícios e desperdícios!
" Prefiro
partir, deixar de ser o " alguém " que todos dizem que serei aqui,
mas escravo de um ideal nefasto que não partilho e sei falacioso ! " -
pensei peremptório nessa noite de Novembro de 1975, depois de lutar por uma
democracia que colocasse a pessoa humana no centro de tudo, mas com exigência,
disciplina, exclência e justiça implacável para quem confundisse Liberdade com
boçalidade e arbitrariedade!
" Emigrarei,
conhecerei a tristeza e a dor amarga da saudade e serei sempre um homem
simples, mas livre ! Serei um Luís ninguém, se isso for preciso for e o destino
mo impuser, mas realizarei este e todos sonhos que hei-de sonhar !" -
gritei endofasicamente, decido a ser actor do meu destino, a assumir as minhas
escolhas, os meus actos e os meus fracassos - se os houvesse - como uma
oportunidade para ser melhor e ir mais além...
E o estudante,
ex-professor, virou garçon!
Foram 3 meses
apenas, mas muito importantes para mim! Depois o garçon não se deixou enrolar
pelo patrão, que o queria roubar, e partiu, sempre confiante de que algo melhor
haveria de lhe acontecer!
Dias depois, uma
semana, pela mão que um amigo – o Arménio – foi fazer um teste numa empresa ! Cinco
minutos apenas e hei-lo com o futuro garantido na maior multinacional do país,
o Luxemburgo, um anão com alma de gigante, que o colhera de braços abertos!
E o Brasil?
Morrera? Desistira? Nem pensar!
O Brasil era uma
paixão antiga !
Uma tarde de Dezembro
de 1979, passeando na avendida da Liberdade, o Luís olhou a vitrina e deu com
os olhos no Cristo Redentor de braços abertos.
Sorriu, apalpou o
bolso e entrou na agência de viagens.
Uma hora depois, o
Luís chegava a casa e, esboçando o maior sorriso da sua vida, dizia para o pai,
que vivera até aos 18 anos no Rio, mas nunca mais lá voltara:
__ Estou muito
feliz, pai! Hoje passei o maior cheque da minha vida! Vou ao Brasil !!!
O meu pai
abraçou-me e chorou: eu tinha na mão o bilhete que ele nunca ousara comprar ! O
filho perseverante estava prestes a cumprir a promessa e a realizar o sonho de
menino.
Finalmente, eu
acabara de fazer o que o meu pai sempre desejara, talvez mais por ilusão ! É,
penso que ele sonhava por sonhar, sem muita ambição ! Eu não, quando sonho é
com convicção, com alma e coração !
No dia 14 de
Dezembro de 1979, vesti o meu melhor fato ( terno ), negro e pus a gravata:
desde os 10 anos que me habituara a trajar assim! Pequei na gabardina e
dirigi-me para o aeroporto, a 30 quilómetros : estava cheio de neve, 5 graus
negativos!
Poucas horas depois
aterrei no Rio de Janeiro. Como foi encantador ver o sol nascer de avião ! Como
foi reconfortante abraçar a família e matar as saudades !
Porém não era disso
o que o meu coração mais desejava e esperava, não era esse o Brasil que que
sonhara durante mais de 15 anos, mais de 6 000 ( seis mil ) dias e noites!
Durante quase um
mês, o menino, que ousara sonhar contra tudo e contra todos, descobrira os
encantos da Cidade maravilhosa e do Brasil; apaixonara-se por lugares bonitos;
fizera planos para comprar um terreno em Piratininga (
Niterói ) do outro
lado da Baía da Guanabara; conhecera o rodízio e admirara o charme das garotas
de Ipanema; mas nada disso lhe fizera ainda o seu o coração palpitar como
quando ele ouvira ecoar pela primeira vez nos seus tímpanos a palavra Brasil !
Não, não era aquele
o Brasil dos sonhos! O dele, o seu Brasil, quando o encontrasse, o seu coração
lho diria certamente!
Aliás, nem
precisaria de palavras: o pressentimento seria mais forte e mais lesto, talvez
um mensageiro divino a quem a aura bastaria para dizer tudo, mesmo que fosse
mudo, ele escutaria o apelo, sentiria aquele pulsar que o fizera sonhar assim!
Bom as férias
estavam quase terminadas, o encanto reconfirmado, o desejo de voltar imenso, e
vontade de comprar o terreno firme, portanto impunha-se abrir uma conta
bancária para enviar os dólares para o terreno e, quem sabe, a casa!
Na véspera do meu
regresso, enquanto aguardava pacientemente numa das filas de uma agência da
Caixa Económica Federal, meu tio, que não me largava com medo de ser assaltado,
foi abordado por um conhecido que lhe perguntou:
__ Quem é este
moço, Toninho!
__ O meu sobrinho,
o filho do Alexandre!
__ Da minha prima
Luisa?
__ Sim...
__ E quando chegou?
__ Volta amanhã!
__ O quê?! Você
recebe a visita do sobrinho, de um primo, de um patrício, de um vizinho e não
no-lo apresenta?! Estou a ver que veio da santa terrinha e não visitou nada!
__ Não, está
tranquilo, Zé, que o Luís ficou tão encantado com o Brasil, visitou muita
coisa, quer comprar um terreno em Piratininga: diz que é bonito !
Em poucos minutos o
Zé, que afinal era primo da minha mãe e embarcara rapazote para o Rio de
Janeiro, resolveu tudo: bastou empiscar ao gerente e pronto lá estava eu a
passar por cima de uns quantos..., meio envergonhado e contra a minha
vontade...
Depois, entrámos no
carro dele e voltámos para casa do meu tio, onde a minha avó nos preparou um
almoço.
__ Bom, Toninho,
vai trabalhar ( para a agência do Banco Central, no Rio ) que eu me garanto a
segurança do teu sobrinho! Agora ele fica por minha conta.À noite cá to trarei.
Passados 30 minutos
e muitos ziguezagues que me fizeram enjoar e embalar o coração, estava num
bairro da Zona Oeste do Rio!
Depois de me
apresentar à família e de me mostrar a casa, o primo da minha mãe ( os pais
eram irmãos )disse-me:
__ Você tem mais
primos aqui, Luís! Vem, que eu vou mostrá-los para você.
Foi como se
tivessem tocado num formigueiro ou acordado um vulcão!
Inexplicavelmente,
meu coração começou a embalar e bater apressado, as mãos a humedecer e um certo
nervosismo a apoderar-se de mim!
Naquele momento,
senti-me como alguém que procurou a vida inteira por um tesouro e, de repente,
quase já descrente, sente as emanações da sua presença!
Entrei no carro e
mal tive tempo de respirar e de enxugar o suor do rosto: já estava diante de
uns portões de uma vivenda com os azulejos da imagem de Nossa Senhora de Fátima
no frontespício!
Aos berros do meu
primo acorreram dois moleques lestos, descalços quase tão bronzeados como o
Pélé, de tanto soltar Pipa!
Seguiram-se três
moças intrigadas, os pais sorridentes e..., o meu olhar... sentiu o coração
bater da mesma maneira... meu Deus!
" O Brasil !!!
"
Um olhar profundo!
Um corpo franzino! Cabelos longos, castanhos! Um sorriso tímido,
envergonhado...
Descobriu, Naiá?
Uma Mulher era o
meu Brasil, aquele que mexia com a minha alma e acelerava o meu coração, aquele
que não deixava esmorecer nem perder a Fé e a Esperança, aquele que dormia
todas as noites comigo, como um anjo da guarda, mesmo quando, por vezes, as
vicissitudes da vida me faziam desanimar e pensar que estava no caminho errado.
O meu Brasil, a
minha razão de ser e de sonhar, chamava-se Lina e o meu coração já a conhecia
há muitos anos!
Assim de repente,
tive a impressão de ter conhecido noutra vida... Mas como me era familiar
aquele rosto, aquele sorriso, aquele olhar!
Depois das
apresentações, voltámos a casa do Zé para um cafezinho!
Instintivamente,
fiquei a sós com a Lina no terraço... As irmãs da Lina, os pais, os outros não
existiam mais, a minha timidez evaporara-se! Não sei se tinha que lhe falar ou
a olhar apenas, em silêncio, admirá-la! Vê-la sorrir, desejar aquele tesouro...
Com medo de que o
meu olhar não lhe exprimisse tudo o ques estava sentindo, ousei dizer:
__ Lina, acho que
agora sei, porque ando a sonhar com Brasil desde pequenino !
__ Ah bom?!
__ Mas a certeza, a
resposta, não sou eu quem a deve dar...
Lina corou! O meu
olhar dizia tudo, implorava a resposta que ela não deu, que não podia dar
ainda, porque não fora ela quem sonhara com o Brasil !
Cinco dias depois
chegou ao Rio a tão desejada carta a pedir-lhe namoro ! Lina já estava à espera
dela ! Alertada e aconselhada pela mãe, Lina só pode obedecer e dar a resposta
que o seu coração lhe sussurrava : sim !
Passados 18 meses,
já não havia dúvidas, mas muitas certezas, uma decisão a tomar e um juramento a
fazer!
Depois de pedir a
mão de Lina em casamento e ver meu pedido aceite(o), a mãe de Lina implorou,
sorrindo:
__ Esperai um
pouquinho!
Pouco depois,
voltou com uma foto de 1967, tirada perto da paragem do autocarro, no longínquo
lugar, a cerca de 20 vinte metros onde o menino tímido e introvertido sonhara
com o Brasil:
" Uma mocinha
franzina de 6 anos, mirava um moço vestido de terno e gravata negros que acabava
de chegar do seminário: era eu! "
Acho que você já
entendeu porque eu gosto tanto do Brasil! O Brasil é o sonho, é a paixão, é a
razão que deu sentido à minha vida!
O Brasil é o Amor
da minha Vida!!!!
Eu amo mais o
Brasil que milhões de brasileiros porque eu o inventei, o sonhei, o desejei, o
amamentei, o chorei e o guardei no coração sem nunca desfalecer, sem nunca
duvidar!
Eu te amo, meu
Brasil !
Sabe, Naiá, quando
um menino sonha, Deus sorri, se inclina, o beija, obedece e o sonho logo
parece!
Espero que tenha
gostado deste longo mail! Me desculpe se a enfado!!!
Beijinhos !
2 comentários:
Muito linda sua história, miguxo. Eu já conhecia, você já havia me contado. Mas lendo, detalhe a detalhe, entendo o seu amor pelo Brasil. Acho que aqui é o seu lugar. Beijos no coração.
Lu..eu nao tenho dúvidas..q vc já viveu, por aki. Pois, eu sinto a mesma sensação em relação à Portugal, desde menina tb. N é uma coisa superficial..é um sentimento..quase inexplicável..uma angústia misturado com alegria e saudades. Como se espírito
sufocado implorasse, o retorno a suaTerra de origem. Eu tenho e sinto esse mesmo desejo..e nao importa de q forma aconteça..só sei q minha paixão lusitana...é tão forte...e tenho certeza q um dia, voltarei e morrerei, nesta terra...Eu ja realizei uma parte..falta só mais um pouquinho...eheh...e acredite..são sim..vivências de reencarnações recentes...(so de falar....me emociona e meus olhos ficam marejados)...Oxalá. .me guie!!
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