Et si tu n'éxistais pas - Joe Dassin

Lover Why

sábado, 1 de março de 2008

Caprichos do Amor: Quarta, 25 de Julho ( 9º DIA )


Quarta, 25 de Julho 
( 9º DIA )




A luminosidade e o calor do meio-dia daquela quarta-feira 25 de Julho não conseguiram despertá-lo. Foi então que a senhora Noémia, atiçada pela patroa, ligou o aspirador diante da porta do quarto do dorminhoco e sobressaltou-o.
Saltando lesto da cama, ele puxou as persianas e tapou os olhos para se proteger do brilho do Sol. Enfiando as calças, destrancou a porta e foi lavar-se, saudando a velhota com um olá envergonhado. Feita a toalete, Rui Patrício desceu à cozinha para beber um sumo de laranja e deu com os olhos na Dina que fingia cheirar as panelas.
― Bom dia, malandro! ― bradou maliciosa, oferecendo-lhe uns provocantes lábios vermelhos.
― Olá! Bom dia, madrinha! ― bocejou ele, encostando-lhe o rosto húmido.
― Você agora não faz outra coisa, não ?
― Ontem descuidei-me e prolonguei demais a sesta, depois os senhores demoraram tanto. Estou todo partido por vossa causa, sabe?
― Por nossa causa?! O menino vai para a vadiagem e depois...
― Bem, se não foram vocês...
― Vá, Ruizinho, a mim pode dizer-me que foi a Marylin Monroe que o induziu a trabalhos forçados ― ironizou ela, empiscando maliciosa.
― Se quer que lhe diga, ontem não foi ela.
― Então quem foi? Ah, já sei! Não precisa de dizer mais nada.
― De qualquer modo estou arrependidíssimo porque essa não merecia que eu tivesse gasto nem um segundo do meu rico tempo com uma ingrata assim...
― Vá, não minta, assuma!
― Pronto, está bem ― acedeu terrivelmente excitado pelo radioso visual da charmosa jornalista.
― Mas conte, menino, conte! ― murmurou ela baixinho, falando-lhe ao ouvido e acariciando-lhe os cabelos humedecidos.
― Agora não, Dina.
― Porque não? Tem assim tantas maldades que não as possa contar aqui, tem?
― Tenho! ― respondeu ele seco e bruto, fustigando-lhe o riso trocista.
― Up, já cá não está quem falou! - bradou ela, retirando-se intimida.
E Rui Patrício, bebendo mais um trago de sumol, foi espraiar a soneira para o terraço. Enquanto isso, no escritório, assentado no cavalete, o arquitecto dava os últimos retoques no projecto de Alcabideche. Espreitando pela vidraça, o afilhado viu-o tão bem-disposto que correu imediatamente a saudá-lo.
― O padrinho acordou inspirado ― disse ele jovial, batendo-lhe no ombro.
― Olá! ― exclamou o arquitecto, sorrindo-lhe envergonhado.
― Assim é que eu gosto de o ver, padrinho. Com a alegria nos olhos e não a cismar com não sei quê de atrocidade e desgraça. A felicidade é tão linda!
― O Rui Patrício acordou tarde, mas inspirado.
― O padrinho acha?
― Se acho? Adoro, meu filho, adoro! ― acrescentou ele paternalista, acariciando-lhe os cabelos frisados.
― Estou a ver que o senhor, afinal, também gosta de poesia.
― Gosto, sim senhor, mas não tenho veia poética. Aliás, nunca tive e você nem imagina a falta que me fez ― confessou distante.
― Mas não, olhe que tem, padrinho! Todos os seres nascem com a poesia nas veias, mas poucos a escutam verdadeiramente. Sabe, padrinho, ― prosseguiu o jovem filósofo, admirando a obra que as mãos carinhosas do arquitecto faziam nascer na ponta do compasso ― o senhor, por exemplo, quando desenha, inventando e dando vida ao sonho de alguém, escreve poesia, tal como o menino, quando chupa a teta da mãe; o cantor, quando descobre e trauteia uma melodia, ou mesmo um casal, quando faz amor. A poesia dorme, acorda e acompanha-nos sempre que o nosso coração puro bate e lhe dá vida.
― No espaço destes três dias, mais precisamente desde que o fui buscar ao colégio, fiz descobertas vitais para mim, filho.
― Quais, padrinho? ― interferiu o jovem, retendo-lhe o olhar.
― No domingo, descobri que tenho vivido com uma estrela sem nunca ter aproveitado aquele brilho magnético que ela tem nos olhos. Que desperdício! Depois, logo na terça quase fiz uma asneira irreparável, meu filho...
― O padrinho que tem? Sente-se bem? ― perguntou ele aflito, vendo-o perder o fôlego e quase desvanecer.
― Sim, Rui Patrício, não se aflija. Ah pois, como dizia, na terça senti que a vida é realmente um sopro, quando aquele diagnóstico estúpido e as consequentes ideias tenebrosas que daí resultaram quase me conduziram ao suicídio, mas nesse mesmo dia também senti na verdadeira amizade do Dr. Edgar e da Dra. Susana as vozes dos meus anjos da guarda e, agora, consigo...
― O que é que um rapaz como eu, órfão, lhe pode ensinar, padrinho? O senhor é que é muito bom. Eu sou o que há de mais simples, mais tímido e muito sonhador, sim, lá isso é verdade, mas como toda a gente, tenho muitos defeitos.
― A modéstia é uma grande virtude.
― E o padrinho é disso o melhor exemplo, pelo menos para mim.
― Não me faça corar, Rui Patrício, que eu não sou nada disso.
― Quando é que o senhor começa a ter mais estima por si? Olhe que ninguém pode dar aos outros o que não tem para si, como ninguém pode escutar os outros se, primeiro, não for capaz de se escutar a si próprio. Enfim, o padrinho sabe tudo isto, mas sempre pensou mais nos outros. Às vezes, ponho-me a olhar para si e digo-me, até estarei a errar, pelo menos tenho essa sensação, que o senhor nunca saiu do passado. É como se o senhor vivesse prisioneiro de alguém, com medo, sei lá!, é como que não tivesse mais razões para viver.
― E olhe que não se engana ― concordou o arquitecto envergonhado, fitando seriamente o afilhado.
― Mas quem não se engana, Félix? - interferiu a esposa.
― Ó querida, você devia ouvir mais vezes o meu afilhado!
― Porquê? Porventura não se enganará o anjinho, não? ― retorquiu-lhe ela, fisgando o moço que se retirava cabisbaixo e corado do escritório.
― Coitado, a Dina chocou-o! Que se passa? Eu estava a gostar tanto dele!
― Desculpe, Félix, mas às vezes o meu génio é imprevisível. Perdoe-me...
― Vá, Dina, não se arrelie, nem me peça perdão a mim.
― O almoço está na mesa, Félix.
― Então vamos que hoje estou com muita fome. Aquele susto de anteontem deu-me cá uma vontade de viver, Dina!
― Mesmo, Félix?! Se calhar não ― desabafou dubitativa, abraçando-o.
E, depois de um beijinho, que ele quase recusou, lá foram comer o arroz de tomate com espigos.
À mesa, apesar de tudo, Rui Patrício mirou-os com muita afabilidade. No seu olhar não se deslumbrava o menor ressentimento. Então, sentindo-se perdoada, a jornalista empiscou-lhe carinhosamente e a natural cumplicidade, que tanto os caracterizava, abriu-lhes os corações em intrínseca litania.
Enquanto saboreavam o almoço, o Dr. Félix convenceu a esposa a continuar as aulas de natação e a bronzear um pouco mais, sugerindo-lhe um novo produto que protegia melhor a pele contra os raios ultravioletas. A sobremesa, melão com vinho do Porto, foram tomá-la no terraço, onde lhes foi servida também a bica. Bebido o café, o arquitecto quis fumar uma cachimbada, mas a reprovação unânime da esposa e do afilhado fê-lo mudar de ideias e pensar duas vezes na nocividade da nicotina quotidiana que lhe queimava inexoravelmente os alvéolos pulmonares, o emagrecia e o envelhecia a olhos vistos. A esse ritmo, o coveiro não demoraria muito tempo a cavar a sepultura dele.
Depois de tirar um cochilo, a jornalista deixou o marido a recuperar-se das comoções das últimas horas e, de saco de praia a tiracolo, partiu com o afilhado no Mercedes para os lados do Guincho, refazendo parte do trajecto amoroso da véspera. De óculos escuros para melhor dissimular o ardor que morava no seu olhar, ela segurava o volante com a mão esquerda, libertando a direita que, ora metia as mudanças, ora sintonizava o rádio, correndo de estação em estação à procura daquelas melodias que fazem excitar a paixão e explodir o coração.
Mentalmente escravo daquela charmosa ditadura, o jovem limitou-se a encostar a cabeça no vidro e a cantar timidamente os refrães que as ondas hertzianas lhe devolviam, evitando perder-se na subjugadora anatomia feminina. Os lábios pintados, os joelhos desnudados, os seios arrebitados, os brincos dourados, o pescoço esbelto e os óculos escuros, nela tudo era deliciosamente provocante. A sensual e abrasiva efervescência do seu cérebro nefelibata obrigou-o a tirar os óculos de sol que guardara no saco e a pô-los para evitar que as vagas libidinosas, por demais evidente, os encandeassem e os descontrolassem nas mortíferas curvas da estrada da Boca do Inferno.

Antes da estalagem árida do Guincho, avistando um canto abrigado, Dina encostou à esquerda, estacionou o carro debaixo de um pinheiro e abeirou-se do abismo cavernoso. Uma falésia abrupta fê-la recuar assustada: as vagas alterosas iam embater estrondosamente contra os rochedos a uns vinte metros a pique. Uf, até lhe davam vertigens! A impressionante visão fê-la arrepiar dos pés à cabeça. Vendo-a tão eriçada, ele soltou um gracejo índole, apertou-a contra o peito e, acariciando-lhe as espáduas, murmurou confiante:
― Eu estou aqui, Dina.
― Uf, que susto! ― bradou nervosa, apertando-o bem contra si, para que ele sentisse e visse como o busto batia arquejante.
― O mar mete medo, não mete?
― Se mete, Rui! É melhor irmos embora ― disse aliviada, mas suspirante.
Meneando ligeiramente cabeça, o adolescente foi assentar-se novamente ao seu lado pensativo. E arrancaram, rolando pacatamente durante mais alguns hectómetros. O Silêncio saltava-lhe dos olhos.
Finalmente, a viatura imobilizou-se discretamente no terreiro da estalagem, imiscuindo-se no meio dos carros dos veraneantes estrangeiros. De saco a tiracolo, ele adiantou-se, desceu as escadas de pedra natural e esperou pela sua dama, mais cautelosa e instável. Na praia, contornando os corpos do areal, ele ouviu-os cochichar um inglês very british e lembrou-se imediatamente do Santo, a série policial que fizera do actor britânico Roger Moore uma vedeta internacional. Pousando o saco perto de uma rocha cavernosa, que um montículo de areia escondia dos olhares concupiscentes, ele esperou e disse malicioso:
― Mira bem, Dina, se calhar o Santo também está por aí.
― Ah sim, e quem te disse que eu gostava de santos?
― Então, se gosta de pecadores...
― Eureka, o menino saiu da casca! ― bradou irónica.
― As libras têm outro encanto nas praias de Portugal... ― trauteou divertido, readaptando a canção de Coimbra num contagioso bom humor.
― Cuidado, Rui, que eu já os vi começar por menos! ― comentou ela irónica, soltando um gracejo trocista que a língua esticada e um trejeito facial fez ondular pelos flancos sedutores.
― Sabes, Dina, às vezes o meu juízo, que é pouco, confesso, pira-se da mioleira e vai...
― Ai, a ti também? Mau sinal, Rui, mau sinal!
― O quê? Não é possível, Dina! ― bradou irónico, fazendo-se aparvalhado.
― O que há? ― perguntou ela admirada.
― Eu sempre pensei que as mulheres tinham uma cabeça de galinha...
― Cá está outro super-homem ― ironizou ela, nivelando a areia com os pés.
Perspicaz e galã, Rui Patrício fez-lhe uma vénia e ajeitou-lhe cuidadosamente o lugar. Seduzida pela delicadeza com que ele lhe arranjava a cama, Dina fechou os olhos para que ele não se enervasse, a olhasse e desejasse melhor.
Estendendo as toalha no chão, Rui olhava-a fascinado. Dina, sentindo-lhe a adulação interior, libertou-se lentamente do vestido que lhe tapava o biquini preto. Adivinhando e obedecendo cegamente ao olhar da voluptuosa dulcineia, ele pegou instintivamente no bronzeador, passou-lho rapidamente nas costas e, estendendo o frasco, virou-se para que ela lhe pagasse imediatamente o favor. Deslizando-lhe calmamente os dedos esguios pelo pescoço, Dina espalhou-lhe o líquido até aos quadris, não sem, de vez em quando, lhe enterrar na epiderme as unhas vermelhas.

Deitados lado a lado de bruços, apoiaram-se nos cotovelos e olharam-se mudos. Por detrás dos óculos de sol, as suas retinas vorazes davam bridas à cobiça desenfreada, mergulhando-os num jogo sedutor. Sentindo-se violada e trucidada pelos impudicos trejeitos varonis, ela retirou os óculos e, tocando-lhe no ombro, comentou:
― Afinal o menino ainda não me disse com quem passou ontem o dia.
― E a menina acha que eu lhe devo alguma explicação? Por acaso também lhe perguntei por onde e o que andou a fazer até assim tão tarde?
― Ah, bem sabes que o teu padrinho não me largou! Não me digas que...
― Não digo nem penso nada. Perdão, minto, sonho...
― Por favor, conta, tu bem sabes que ele só me deixa sair contigo, Rui.
― Porque sei que posso acreditar em ti, ou confessar-te que..., enfim... Bom, ontem tive um momento de inspiração único.
― Inspiração?! Diz, diz!
― Ontem, enquanto a menina andava a correr o cão, perdão, andava a passear, tranquei-me no escritório e escrevi uma poesia.
― Com que então o menino também é dado a versos!
― E por acaso até a trouxe. Tenho-a dobrada na carteira. Espera um pouquinho que eu já volto - disse ele, levantando-se com um riso nos olhos.
Ela sorriu maliciosamente e, inspirando uma golfada de ar, estendeu-lhe a mão direita, agarrando impacientemente a folha que ele lhe estendia. Ainda leu o primeiro verso, mas, olhando-o descaradamente no fulcro das retinas, implorou afavelmente:
― Por favor, lê-ma, Rui, se me amas como dizes!
― Isto é uma Prece Proibida, Dina! ― advertiu nervoso.
― Amar nunca pode ser proibido ― retorquiu-lhe ela, beijando-o no ombro arrepiado para o encorajar.
Tremendo como uma vara verde, ele colou-se-lhe bem ao flanco e, sempre de bruços, balbuciou numa voz trémula:

Quero beijar a febre do calor do teu regaço
e ouvir tua voz murmurar baixinho com fervor
Quero perder-me lânguido no fragor do teu cansaço 
a implorar sempre mais e muito mais amor...


― Toma, lê agora tu o resto, Dina ― implorou ele nervoso, arrepiando-se e tremelicando intimidado.
― Oh não, Rui, por favor! Era tão bom...
― Com licença, Dina, acho que me meteste o diabo no corpo.
― Não, Rui, não! ― gritou frustrada, segurando a folha que o poeta lhe lançou desesperadamente antes de correr a mergulhar nas ondas agitadas do inóspito Guincho.

E, pegando na poesia, releu-a até ao fim sem pestanejar. A mensagem poética excitou-a tanto que a vulva se afogou num sulfuroso e orgásmico pranto. E foi assim desejosa que ele a encontrou depois de resfriar os ânimos nas vagas do Atlântico. Os seus olhos, cruzando-se num ápice, chisparam as indomáveis fagulhas da paixão.
Rui Patrício secou-se e deitou-se de costas, mas não se aguentou muito tempo nessa posição. De bruços, Dina contorcia-se e tentava domar as irracionais vagas libidinosas que lhe sacudiam as entranhas; os lábios, humedecidos amiúde pela língua sulfurosa, reflectiam todo o fluxo passional que brotava delirante do seu olhar tresloucado. Depois de lançar um miradela inquieta pelas paragens circundantes, vendo-se livre da curiosidade alheia, ela segredou-lhe:
― Ontem soube e vi como anseias fazer amor...
― Sim, é verdade, Dina, o amor é uma loucura, que ainda não conheci. Se soubesses como te desejo!
― Os versos magníficos, que escreveste ontem à noite, também me deixaram louca e faminta. Se soubesses como também te desejo! Queres ver como é verdade? ― disse desvairada, agarrando-lhe a mão nervosa.
― Não, Dina, não! ― murmurou ele aflito, medroso, sentindo-se induzir em pecado de adultério.
― Tchut, não tenhas medo, que ninguém nos vê! ― sussurrou-lhe ela.
E, fechando os olhos, fez entrar a mão varonil pela púbis. Depois, sempre muda, fê-lo admirar e tactear os mamilos erectos. Enlouquecido pelas sensações estonteantes que aquele corpo maduro lhe suscitava, Rui Patrício colou-se-lhe ao ventre e, baixando o calção de banho, pegou-lhe na mão e obrigou-a a agarrar o pénis erecto, arregaçando e mostrando-lhe o prepúcio vermelho.

Depois, como Dina consentisse e lhe afastasse as coxas, ele encostou-o à vagina alagada e, num abraço endemoninhado, beijou-a desesperadamente na boca, mordendo-lhe os lábios e a língua. De alma perdida, ela deitou-se de costas e, submissa, deixou que a fúria varonil a domasse e a violentasse. Desvairado, Rui espetou-lhe a adaga na vagina e, mordendo-a no pescoço, iniciou um estonteante e endemoninhado vaivém na cintura pélvica. Acometida por sucessivas explosões orgásmicas, que lhe deixaram a matriz toda molhada, Dina chiou como uma cadela assanhada e, impondo-lhe as mãos nas nádegas endurecidas, imprimiu à cadência copulativa um ritmo raivoso. Ele, deixando-se guiar docilmente pela mulher que tantas vezes o fizera sonhar e masturbar, não cedeu às fricções e foi adiando o ponto de não retorno para que um prazer assim não acabasse jamais. Subitamente, o alarido inconsciente do desenfreado frenesi passional assustou-os e fê-los estancar o inefável adultério. A interrupção do vaivém copulativo atirou-os para as labaredas incandescentes do inferno cerebral.


Apanhada a bola perdida, que um intruso procurava no outro lado da duna e remetidos do susto, eles limparam o suor e sorriram-se envergonhados. Frustrado, mas feliz por ter resistido e brindado a vénus com mais de cinco minutos de um prazer estonteante, o cupido não parava de admirar e acariciar suavemente a mulher que lhe permitira descobrir naquela ditosa hora a essência do amor. Agora, sim, podia dizer que já era homem.
Aos poucos, porém, os remorsos foram-se-lhes apoderando da alma, atribulando-os. Incomodados pelo tom reprobatório da consciência sussurrante, eles correram a mergulhar nas águas gélidas do Atlântico e, enxugando-se rapidamente, vestiram-se. Depois de se beijarem no rosto, pentearam-se e, pegando na trouxa, abandonaram o nicho da fornicação.

Na estrada da Boca do Inferno, Dina quis ir tomar um galão, mas, para não inverterem a marcha, decidiram ir bebê-lo ao centro de Cascais, antigo porto romano, uma das mais pitorescas estâncias balneares da Costa do Estoril.
Depois, até casa, Rui Patrício, roído de remorsos, tentou forjar no espírito atribulado a máscara que lhe permitisse afrontar o padrinho e dissimular publicamente aquela suicidária atracção física que sentia pela jornalista. O seu coração imberbe só sabia mentir ingenuamente.
Dina, segurando o volante com as duas mãos, ultrapassara rapidamente essa fase e ia-o encorajando a pôr de lado o sentimento de culpa e pensar exclusivamente nos momentos fabulosos que acabava de viver pela primeira vez. Foi então que, para lhe afastar definitivamente da consciência atribulada o trauma do adultério, ela lhe confessou que fora o marido, quem lhe pedira que o amasse verdadeiramente como um homem ama uma mulher. Ouvindo tais palavras, Rui Patrício sentiu-se inexplicavelmente livre do pesadelo infame e, beijando-lhe o ombro, começou a falar e a sorrir com aquele timbre tão peculiar que só os corações puros possuem. Resistindo súbito ao assédio passional, que a brusca tumescência lhe suscitava, ele quis ler-lhe integralmente as duas poesias eróticas que escrevera na véspera a pensar nas musas que descontrolavam todo o seu metabolismo endócrino, mas não teve tempo. Dina pediu-lhe que as guardasse e lhas recitasse, como ele tão bem sabia, na hora em que o seu coração mais precisasse.

Apenas entrou em casa, Rui Patrício enfiou-se imediatamente debaixo do chuveiro do jardim para tirar o sal e aparecer diante do padrinho com outra cara. Tremelicando de frio, sacudiu a água e, para se secar mais depressa, instalou-se nas barras metálicas.
E durante cinco minutos, só pensou nos músculos. Depois, limpando os pés na toalha suja para não deixar rastos no chão, correu nos bicos dos pés e trancou-se no quarto. Então, mudado e penteado, respirou fundo para ganhar coragem e apressou-se a saudar o arquitecto que fumava o cachimbo abraçado à esposa como se ela lhe acabasse de confessar aquela infidelidade.
― O senhor quer mesmo deixar a madrinha viúva, quer? ― perguntou risonho, dando-lhe uma palmadinha nas costas.
― Nós só vivemos uma vez, Rui Patrício, ― respondeu resignado, soltando algumas rodelas de fumo.
― Pois por isso! O padrinho devia ter mais cuidado.
― Eu já não vejo as coisas dessa maneira, filho!
― Então como?
― A minha, e a de muita gente, ― frisou o arquitecto filosofal, segurando o cachimbo e olhando a esposa ― é: viver só tem sentido quando podemos fazer tudo o que nos apraz e ficamos com a consciência em paz.
― Se pode ser assim, não sei, mas o que fiquei a saber é que o senhor, quando quer, também é poeta ― retorquiu orgulhoso.
― Estou a ver que ― acrescentou ela, acariciando o marido - neste círculo, só eu é que não tenho o privilégio de ter a musa por amiga.
― Mas não, Dina, mas não! ― consolou-a o esposo, beijando-lhe a testa.
― Se a madrinha fosse mais humilde e escutasse as asneiras dos anjinhos como eu, saberia que, na minha estúpida opinião, todos temos um pouco a alma poeta e o coração pateta! ― bradou galhofeiro e inspirado.
― Pois, se a Dina não tivesse desconchavado o seu afilhado, eu ter-lhe-ia revelado que a mais bela das poesias é a da mulher, quando ela quer e faz amor seja onde for! ― exclamou enfático o arquitecto, puxando as orelhas à queixosa.
― Bravô, padrinho, bravô! ― aplaudiu o jovem num sotaque afrancesado, retirando-se para a cozinha onde matou a sede.

Sozinhos, os adultos prosseguiram a conversa, mas sem aquela bonomia que a inocência do órfão lhes inculcara tão naturalmente. Perspicaz, Rui preferiu não se intrometer na intimidade do casal e fechou-se no quarto até que o chamaram para jantar, o que só aconteceu com o pôr do sol. Depois da refeição, ele preferiu descer à gare e dar um passeio à beira-mar.
Quando voltou, deu as boas-noites aos padrinhos e foi deitar-se, recusando provocar a musa porque pensava que querer arrancar a inspiração à força e pedir-lhe tudo, quando não se tem nada para dar, é um crime de lesa-poesia. E lá os deixou abraçados e felizes a tentar desvendar a misteriosa bruma que surgia no horizonte no seu espírito.

Na cama, Rui Patrício reviveu mentalmente aquela primeira vez, ressentindo o frenesi do prazer e do delírio sussurrante que a sensual nudez, prisioneira de um vendaval endócrino e da pressão dos seus rins histéricos, fazia ecoar pela fenda genital. Ah, como fora gostoso aquele vaivém aflito da glande na vulva através dos pêlos vaginais. Na sua memória extasiada bailavam ainda os seios, os trejeitos dos lábios boquiabertos, da testa franzida e os gritos abafados da presa em delírio. No meio daquele turbilhão inebriante, veio, porém, intrometer-se a imagem cintilante daquele beijo que Cristina lhe dera entre os rochedos quando, para lhe provar que o amava e o desejava, lhe mostrara os seios.E foi assim, dilacerado de remorso e prazer, que sucumbiu à teimosa persistência do sono libertador, todo nu, agarrado ao seu travesseiro, o imperturbável confidente das suas tristezas, das suas alegrias e da suas perversidades.

continua em: Quinta, 26 de Julho ( 10º DIA )

Caprichos do Amor / Lmp, luxemburgo - 1996 / Lud MacMartinson

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