Et si tu n'éxistais pas - Joe Dassin

Lover Why

domingo, 2 de março de 2008

Caprichos do Amor: Sexta, 27 de Julho ( 11º DIA )




Sexta, 27 de Julho

( 11º DIA )




Rui Patrício acordara como adormecera: a cismar com o telefonema da Cris. Às sete horas, o seu coração batia ansioso e apreensivo. Felizmente, pensava, aquela não era uma sexta-feira treze. O café matinal, cujos golos foram ritmados pelas constantes espreitadelas e vaivéns até à porta, não lhe fez sangue certamente. Que raio, até o telefone parecia zangado! Nervosamente impaciente, ele até já antecipava o eco do trrim a ecoar-lhe pelos tímpanos. E a sua imaginação translúcida não foi defraudada.
― Alô! Estou sim! Mas que saudades, Cristina! ― exclamou excitado.
― O que se passa contigo, Pat? ― perguntou-lhe aflita.
― Nada, Cris. Não sei se foi o sol, mas ontem acordei com uma enxaqueca!
― Coitadinho, dois dias com uma enxaqueca?! Não me mintas, Pat. Vá, por favor não me desiludas ...
― Não, Cris, eu preciso muito falar contigo! Acredita, estes dois dias sem te ver foram um inferno para mim!
― Mas será que me amas de verdade, Pat?
― Se te amo-te tanto?! Eu adoro-te, Cris! ― bradou baixinho, beijando fervorosamente o auscultador.
― Eu também te amo muito, Pat.
― O que estás a fazer, Cris?
― Nada. Ainda nem me lavei! Estou, oh, nem digo!
― Sim, diz-me como estás, diz. Não, espera, deixa-me adivinhar. Ah, já sei! Estás deitada de bruços num sofá bem fofo; tens uma camisa de musselina quase transparente e, a ver pela tua respiração, penso que tens a passarinha...
― Tchut, fala mais baixo! ― murmurou ela, abafando a voz.
― A mim ninguém me ouve, Cris. E a ti?
― Por favor, Pat, continua a dizer-me...
― Está bem, menina perversa! ― retorquiu malicioso.
― Conta!... ― insistiu ela, beijando o auscultador.
― Vejo os teus seios apetitosos a espreitar por detrás da combinação; tens os lábios colados no telefone e estás toda desguedelhada a balançar essas pernocas...
― Mais, mais, Pat. É tão gostoso ouvir-te assim! Por favor, continua...
― Eh, se a menina não pára de remexer, a passarinha ainda foge da floresta!
― O quê!? Não me digas que és bruxo, Pat?! ― inquiriu encantada.
― É bom, mas tenho que desligar, Cris. Eh! podes ir ao Estoril esta tarde?
― A que horas?
― Depois de almoço vou-me logo embora e ficarei à tua espera num banco do jardim do casino e não sairei de lá enquanto não fores ter comigo. Adeus, Cris, ― disse ele, pousando apressadamente o telefone sem ouvir a resposta.

Sorridente, correu a saudar filialmente o padrinho que, sensibilizado, insistiu para que se assentasse e tomasse o pequeno almoço com eles, sarando definitivamente o incidente da véspera. Dina esperava-os no seu lugar. Descobrindo-lhe o busto gracioso, o jovem abeirou-se timidamente dela e beijou-a estridentemente no rosto. Felizmente o padrinho chegara atrasado e não ouvira nada. Enquanto bebia um galão, Rui Patrício avisou os padrinhos que de tarde iria ao Estoril ver um colega. Eles prontificaram-se para lhe dar uma boleia, mas ele, agradecendo-lhes gentilmente, recusou-a. Félix e Dina olharam-se e sorriram, meneando a cabeça desconfiados.
Até ao almoço, o nefelibata entretivera-se a passar a limpo as poesias que fizera nos últimos dias e preparou o saco como se fosse para a praia, esquecendo-se de arrumar o quarto como era hábito. O encontro com Cristina excitava-o terrivelmente. Como viria vestida? Qual seria a cor do baton dos seus lábios? E se não levasse o saco de praia? E se ela quisesse?... Não, hoje, não iria exigir-lhe nada, apenas dizer-lhe e mostrar-lhe que a amava de verdade, se pudesse.
Antes de partir, ele calçou uns ténis Sanjo, as sapatilhas que mais preferia, vestiu a t-shirt com a efígie dos Beatles e uns jeans azuis roçados. Depois, penteando-se com os dedos para melhor sentir e respirar a liberdade, contou o dinheiro que levaria dobradinho na carteira e foi apanhar o comboio.

Eram quinze horas em ponto, quando a automotora entrou no Tamariz. Ao atravessar o túnel de acesso à Marginal, nem reparou na multidão que cobria o areal ebuliente. Prestando atenção aos carros, correu para o jardim. Como estava colorido! Se calhar era por estar enamorado, mas nunca, naqueles anos todos, os seus olhos o viram assim tão lindo. Que encanto!
Ali, reflectia-se todo o orgulho de uma nação demasiado prisioneira de um Passado, oh quão glorioso certo, mas para quem a patética nostalgia, que o Fado tão bem cantava, ia hipotecando o Futuro. A Costa do Estoril era a redoma do Portugal Imortal, Pátria de egrégios Heróis e intrépidos Navegadores, que a Ínclita Geração doara ao Mundo.
Mesmo diante do Forte onde Salazar se retrancava nas férias, a fazer contas às coroas suecas e aos dólares americanos ou, quem sabe, a cobiçar as coxas das desinibidas mocetonas dos fiordes nórdicos, admiradoras desses canteiros floridos e bem zelados, onde iam tirar as fotografias que levariam como recordação para as suas terras geladas.

Depois de percorrer os quatro cantos do jardim, Rui Patrício voltou impaciente à Marginal, rezando para que ela não demorasse. Sem boné, castigado pelo implacável ardor solar, preferiu retirar-se para a sombra das palmeiras, não fosse apanhar mais uma insolação. Filtrando alternadamente as hipotéticas entradas do jardim, ele não cessou de monologar com os seus botões e de consultar o relógio. Como era penoso ter que esperar assim! A expectativa transformava-lhe os segundos em minutos e os minutos em horas. Até parecia que os ponteiros do tempo se haviam esquecido de passar. Que eternidade, meu Deus! Cansado e desesperado, estendeu-se no banco e, apoiando-se resignadamente nos cotovelos especou as retinas na entrada principal. Exausto, sentou-se e, deixando tombar a cabeça sonolenta entre as pernas, fechou os olhos pensativo. Confuso, o seu cérebro conferiu-lhe o dom da ubiquidade: ora se quedava na imagem delirante da Dina, subjugada pela sua virilidade desenfreada, ora se pasmava a admirar as dunas que emergiam no peito da Cristina. Aos poucos, a mórbida nostalgia apoderara-se-lhe da retina sonolenta. Abrasado, sentiu uns dedos esguios e macios taparem-lhe os olhos.
― Cris! ― explodiu contente, agarrando instintivamente, as mãos da donzela.
― Eh, sou a Dina! ― bradou-lhe uma voz feminina.
― Por favor, Cris, larga-me as mãos. Eu sei muito bem que és tu ― sussurrou convicto, tacteando-lhe a epiderme com a ponta dos dedos.
― Ah! ― exclamou orgulhosa, afastando as mãos e beijando-o ferozmente na boca.
E a saudade uniu as suas línguas num samba febril, até lhes faltar o fôlego. Ele ainda quis levantar-se, mas a fera caiu-lhe em cima dos joelhos, imobilizando-o. E o boca a boca, depois de uma pausa insufladora, iniciou um segundo acto mais calmo. Excitados, abraçaram-se demoradamente. Na cegueira do desejo, ao apalpar as nádegas à donzela, ele roçou-lhe inadvertidamente os dedos nas calcinhas, mas logo os retirou pois a tumescência começava a inchar-lhe o membro viril. Sentindo a erecção masculina contra as coxas, Cristina desviou-se e assentou-se no banco, dando-lhe as mãos, que ele agarrou e beijou demorada e fervorosamente.

A sibarita vestia uns calções cor-de-rosa e uma blusa de linho que lhe deixava antever a formosa sinuosidade dos seios, que um sutiã ajudava a solevar; a madeixa alourada estendia-se-lhe pelas costas e pelo busto em desalinho, sobretudo depois daquele abraço furioso; os lábios róseos e os olhos gatos davam-lhe um look mais sedutor que o das pin up da Penthouse ou da Play Boy, famosas revistas de charme feminino para homens. Parado a contemplá-la, Rui Patrício parecia enfeitiçado. As palavras, constrangidas pelo silêncio, falavam pelos dedos atrevidamente audazes e pelos suspiros loquazes.
― És tão linda, Cris! ― bradou ele subjugado pelo seu olhar esverdeado.
― Tu também és muito bonito, Pat! ― respondeu ela, enfiando-lhe os dedos pelos caracóis e modelando-lhe o rosto, donde emergiam uns pelinhos ruços.
― Se soubesses como o meu coração bate por ti!
― Deixa ver ― disse ela, afundando a mão direita pelo peito varonil e tacteando-lhe os pêlos suados.
― Bate, não bate, Cris?
― Realmente é verdade! Diz, tu não sofres do coração, Pat?
― Só comecei a sofrer desde que te vi.
― Mesmo? Olha lá! ― advertiu ela, puxando-lhe carinhosamente o nariz.
Apesar da rama das palmeiras os abrigar do sol e os proteger dos olhares indiscretos dos ociosos transeuntes, eles preferiram levantar-se e passear pelos canteiros floridos de mão dada, a contar os peixinhos coloridos dos tanques e admirar as flores. Perto do patamar do casino, defronte para o mar, Rui avistou um colega dos Salesianos, empiscou-lhe e, orgulhoso, prosseguiu o seu flirt. De dedos entrelaçados, os adolescentes contaram as peripécias libertinas das noites de insónia, entre beijos e sorrisos. E, contornando as arcadas, voltaram à Marginal para irem comprar um Olá bem fresco ao bar do Tamariz.
Elegante, o cavalheiro pagou os dois e lá se foram os dois até ao pontão, lambendo maliciosamente os gelados. No cabo do promontório artificial, os gaiatos apostavam e atiravam-se vestidos às ondas da maré-cheia. Cristina ainda pensou desafiá-lo, mas, vendo-o tão romântico, preferiu encaminhá-lo para a praia popular da Azambujinha pelo passeio de granito que, contornando as falésias rochosas, a ligava à chique do Tamariz.
A meio do percurso, lambidos os gelados, mas sempre de mãos entrelaçadas a balançar, Rui Patrício apalpou o bolso traseiro e, sentindo o papel dobrado, murmurou-lhe ao ouvido:
― Cris, tenho aqui uma coisa para ti.
― O quê? Ah, deixa-me adivinhar! ― disse graciosa, parando pensativa.
― Demoras tanto tempo, Cris! ― bradou impaciente, escondendo a poesia atrás das costas.
― Só pode ser uma carta de amor, Pat!
― Sim, é uma prece de amor...
Agarrando aflita a folha, que desdobrou apressadamente, Cristina parecia que a queria devorar com os olhos arregalados a saltar das órbitas. À medida que baixava a cabeça para ler mais um verso, o rosto corava e a língua ia-lhe molhando os lábios. De pé, Rui Patrício sentia-lhe a libido esquentar e subir-lhe até às retinas gelatinosas. Até parece que o ardor abrasivo, surgindo-lhe da matriz lhe consumia o olhar. E as rimas da Prece Proibida voltaram sussurrantes às retinas hipnotizadas da donzela, quando ele lhe cochichou fervorosamente ao ouvido o primeiro verso do poema:
― Quero beijar a febre do calor do teu regaço...
― Que bom, Pat! Mas que bom mesmo! ― murmurou-lhe toda arrepiada.
― Não imaginas o prazer que senti quando a escrevi a pensar em ti, Cris.
― Imagino, Pat. Diz: foi só a pensar em mim que tu a fizeste?
― Foi ― respondeu nervoso, baixando os olhos.
― Se é para mim, então posso guardá-la.
― Claro que podes, Cris! ― disse trémulo, beijando-a no rosto.
― Sinceramente, Pat, não sei onde vais buscar tanta inspiração. Eu também penso muito em ti e falo contigo nos meus sonhos acordados, contudo não encontro as palavras certas como tu.
― Sabes, Cris, não sou eu que encontro as palavras...
― Então quem é? ― perguntou curiosa, puxando-o para a sombra de uma falésia milenária escarpada pelas tempestades.
― Isso é o grito do meu coração que chora por ti a toda a hora, sobretudo quando te vais embora, Cris!
― O meu também acelera a cadência quando sinto a tua tumescência ― replicou-lhe ela envergonhada, repousando a madeixa no arquejante peito viril.
― Ah, contigo também acontece poesia!
― É verdade, Pat, é verdade!
― Cris... ― murmurou baixinho, afagando-lhe levemente os cabelos.
― Diz, Pat, diz...
― Eu amo-te muito, Cris! ― confessou ele, olhando-a profundamente.
― Eu também te amo muito, Pat! ― respondeu ela, oferecendo-lhe os lábios.


E um doce e demorado beijo uniu as suas bocas esfomeadas, indiferentes aos turistas que passavam e sorriam. Enquanto os transeuntes, maldizentes, os censuravam, as gaivotas, compreensivas, voando em bandos à flor das ondas, pipilavam e aplaudiam-lhes os beijos passionais. Sorrindo meigos, os namorados acenaram-lhes e levantaram-se, retornando ao Estoril pelo mesmo granito salgado. De mãos dadas, Pat e Cris atravessaram a estrada e foram postar-se na entrada da alameda das arcadas, esperando que o Dr. Edgar os fosse apanhar e os levasse de volta para casa.

Pontual, o BMW descapotável esperava debaixo de uma palmeira.
― Boa tarde, senhor doutor! ― saudou o pretendente, apertando-lhe a mão.
― Boa tarde, Rui Patrício! ― respondeu o advogado.
― A D. Susana não veio, não?
― Sim, mas ficou em casa do seu padrinho. Ele insistiu que ficássemos para jantar e, como todo o nosso apoio não é de mais, foi com muito prazer que aceitámos. E vocês, divertiram-se muito?
― Andámos a passear, papá, ― respondeu logo a filha, assentando-se ao lado dele.
― Este é um bom carro, não é senhor doutor?
― Se é, Rui Patrício! Tem um motor potente, explosivo e resistente. Nós estamos contentíssimos com esta marca. Este já é o nosso segundo BMW ― disse orgulhoso, acariciando o volante desportivo.
― O meu padrinho gosta mais dos Mercedes.
― Gostos não se discutem.
― Certamente, senhor doutor ― respondeu o moço, admirando o interior da famosa viatura alemã.
E uma canção da Rádio Renascença, que entretanto Cristina sintonizara, interrompeu-lhes momentaneamente a conversa, conduzindo-os mudos até à baía Santo Amaro. A melodiosa Pétula Clark cantava My Love, cuja adaptação dera: " a minha terra tem o céu todo de uma cor, azul sem par, embalado noite e dia pela doce brisa que vem do mar..." ― trauteavam afonicamente.

Na vivenda, as atarefadas senhoras punham a mesa no terraço para um jantar à luz da vela, a ouvir o marulhar das ondas contra as rochas e o grasnar das gaivotas no infinito; no fundo do jardim, o arquitecto grelhava os camarões e o peixe-espada, enquanto que na cozinha a velhota, depois de preparar as saladas, dava uns murros nas batatas que tirara do forno.
― Hum, cheira bem! ― exclamou o jovem apenas saiu do carro, respirando o aroma dos crustáceos.
― Eh, mamã! ― gritou a donzela, acenando feliz para o terraço, seguindo as pegadas do pai e do namorado, que se encaminhavam para o grelhador.
― Que delícia, Félix! ― exclamou o advogado, saboreando o molho que, com a ponta do indicador, fora apanhar num camarão.
― Espero que sim, Edgar ― respondeu o arquitecto, virando uma posta de peixe-espada e enxugando o suor da testa a um guardanapo de papel.
― O padrinho precisa de ajuda?
― Obrigado, Rui Patrício. Vocês subam que nós cá tratamos dos bichinhos, não é, Edgar? ― disse ele, sorrindo ao colega, corado pelo calor das brasas.
― Tome cuidado, Dr. Félix! ― aconselhou Cris, vendo o fogo em labaredas.
― Eu já estou habituado, menina, - acrescentou o arquitecto confiante.
Seguindo graciosamente o rasto invisível do adorável poeta, a donzela sentia a maresia invadir-lhe os pulmões e oxigenar-lhe o busto. Esperando por ela na entrada, Pat olhou à sua volta e deu-lhe no pescoço um beijo brincalhão que a arrepiou toda. Dina e Susana, descobrindo-os tão sorridentes, até jubilaram. Como era regozijante vê-los divertirem-se assim! Os seus corações ingénuos assumiam com toda a naturalidade aquela efusiva simpatia.


À mesa, os adultos falaram muito do Júlio que, àquelas horas deveria andar a passear com a namorada por Cascais. A folga do oficial da Força Aérea viera anular-lhes o fim-de-semana no Algarve, adiando-o sine die. Como o militar só entraria em casa de madrugada, certamente depois de curtir uma boa discoteca e beber uns copos com os camaradas e Cristina parecia apreciar a companhia do Rui, a professora, deixando os homens a fumar e a provar um whisky, pediu à jornalista para a ajudar a desforrar-se da chitada do domingo. E em boa hora o fizeram porque, naquela noite, a sorte não quis nada com eles. Elas ganharam, mas sem lhes devolver a chitada como pretendiam. Consolando-se um ao outro, os enamorados encaixaram aquele primeiro desaire com uma filosofia desconcertante: " mais valia perder às cartas que ao amor "

Entretanto, enquanto as mulheres se desforravam, Edgar e Félix jogavam uma partida de xadrez no escritório, o que provocou sucessivos adiamentos da hora da partida.







continua em: Sábado, 28 de Julho ( 12º Dia )


Caprichos do Amor / Lmp, luxemburgo - 1996 / Lud MacMartinson

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