Et si tu n'éxistais pas - Joe Dassin

Lover Why

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Caprichos do Amor: Sábado, 21 de Julho ( 5º DIA )


Sábado, 21 de Julho 
( 5º DIA )




Incapaz de dominar a insónia, Rui Patrício levantou-se pela alva diluente e refugiou-se na cozinha. Aliciada pelo aroma do café, a senhora Noémia, que também não pregava olho desde as cinco da madrugada, por se ter deitado cedo na véspera, ergueu-se e foi reconfortá-lo.
Entretanto, ouvindo o relógio bater as oito badaladas na sala de jantar, ele saiu apressado. Curioso, correu ao quiosque, comprou o Diário e, excitado pela capa, trouxe também a revista brasileira Ele & Ela.

O Sol subia no alto e os padrinhos ainda dormiam. Depois de ler o matutino, ele arrumou o quarto e escutou os êxitos de o telefone toca, programa da Rádio Renascenca, a emissora católica portuguesa, seleccionados na véspera, esperando que os padrinhos se levantassem ou fizessem pelo menos barulho. O silêncio, para ele sinónimo de cansaço, enervava-o. Mirando-se no espelho, viu que a noite mal dormida lhe deixara marcas à volta dos olhos.

Impaciente, ainda pensou ir acordá-los, mas desistiu. Estava naquela indecisão quando ouviu tilintar. Correndo veloz, pegou no telefone, esboçou um sorriso imenso e exclamou:
― Cristina!... Cristina!...
A alegria saltou-lhe das órbitas. Ofegante, apertou o auscultador contra o ouvido e, bafejando-o levemente, ele foi dominando a indescritível exuberância e respondendo timidamente a média voz:
― Sim. Sim... Eu também te amo muito, Cristina. Quando?... Ah bom!?... Claro!... Sim, mais ou menos, porquê?... Achas?... Se for preciso inventa-se uma nova língua. Aqui? Está bem... Eu também... Outro do tamanho do infinito. Sim... Adeus, Cristina!
Beijando amorosamente o auscultador, Rui pousou-o e, felicíssimo, foi para o terraço espraiar a felicidade da paixão que agora desabrochava, tentando descortinar no horizonte qualquer coisa que pudesse oferecer à Cristina.

A senhora Noémia, que passou todo o tempo a sorrir maliciosamente até às dez, pensando que os patrões estavam a fazer o bebé que todos ansiavam, começou a aborrecer-se por serem quase onze horas e ter ainda a casa por arrumar. O come-pó, a alcunha do aspirador, a quem ralhava quando se arreliava, esse, estava mortinho por roncar, mas a austera velhota impunha-lhe um silêncio desleixado. Vendo-a andar à nora, Rui Patrício encheu-se de coragem e encaminhou-se para o quarto dos dorminhocos para lhes bater à porta, mas eles, adivinhando-lhe os intentos, anteciparam-se, colhendo-o a galgar as escadas.
― Bom dia! ― bradou o casal, sorrindo harmoniosamente.
― Bom dia, seus dorminhocos! ― respondeu furioso, ostentando o relógio.
― Então, e a dor de cabeça de ontem?
― Ah, já era, padrinho! ― exclamou jovial, dando-lhe o ósculo filial e oferecendo desdenhosamente o rosto à madrinha que, recuando e olhando o marido, acrescentou irónica:
― Ai, ai, Félix, parece que o seu afilhado beija melhor os homens que...
― Ó madrinha, você também... ― retorquiu corado e zangado, beijando-a envergonhado.
O doutor Félix sorriu apenas e virou as costas, concedendo-lhes um ápice de intimidade. Abandonados, Rui e Dina lançaram-se um olhar tão fustigante que a senhora Noémia, que se aproximava de aspirador em punho, teve que se virar para não os encarar. O adolescente adiantou-se, sorriu à velhota como se nada fosse e foi buscar o jornal ao padrinho, largando as mulheres a cochichar.

Entretanto, os libertinos foram beber um café bem negro e comer uma torradinha com geleia de cereja. Escondendo-se sorrateiramente atrás da porta, Rui Patrício declamou entusiástica e sarcasticamente um parágrafo do Diário:
― O futuro deste planeta azul, onde é tão bom respirar, dependerá destas novas tecnologias de diabólica precisão que são os computadores. Sem eles, qualquer sonho interestelar será vão porque para se chegar ou passear pelo infinitamente grande será indispensável dominar o infimamente pequeno que compõe a estrutura do Universo. Não será de admirar se a comunicação for, no próximo século, o motor e o elo da Unidade dos Mundos do Infinito. Disto estou convicta. Assinado, Dina Sepúlveda Fontoura.
Saindo do esconderijo, ele surpreendeu-os a rirem-se e concluiu malicioso:
― E então nesse mundo-cão da comunicação serão elas quem mais mandarão e se desforrarão deste mundo-machão, quer eles queiram ou não! E então...
― Bravo! Bravo! ― aplaudiu o padrinho perplexo, imitando-lhe o tom jocoso.
― Senhor doutor, ― acrescentou o bobo, fazendo-lhes uma vénia ― a sua mulher não é um amor qualquer!
― Muito bem, muito bem, Rui Patrício! Você acordou inspirado ― aplaudiu o arquitecto, fitando o olhar emocionado da esposa que, depois de rir, ameaçava chorar.
― Não, padrinho, não acordei com a corda toda, mas um telefonema bastou para me dá-la ― esclareceu jovial antes de se virar comovido para a jornalista e acrescentar sério, solenemente: ― Parabéns pela sua crónica, madrinha! Gostei.
― Eu também, Dina! ― apoiou o marido.
― Vocês são uns amores! ― agradeceu a jornalista de voz trémula, mirando-os alternadamente com os seus olhos lacrimosos.
E a felicidade fê-la abraçar demoradamente os homens que tanto amava.

À mesa, enquanto eles tomavam o café e reliam na integra o artigo da jornalista, o bobinho esfolhava a revista brasileira, admirando as cariocas torradas que havia no interior. Quem mais o fascinava, porém, era sem dúvida a sexy e lourinha actriz brasileira Vera Fischer, por quem se apaixonara meses antes quando, ao descer a Marginal em S. Pedro do Estoril, a viu exposta no quiosque. Quantas vezes não sonhara e masturbara a olhá-la, quantas?! O arquitecto, concentrado, não se apercebia de nada, porém a esposa filtrava discretamente as reacções do adolescente, a quem aquele jogo sugestivo tanto excitava interiormente. Ambos sabiam que a inocência dos olhares escondia o mais voluptuoso dos desejos; que as suas almas prisioneiras davam guarida à mais vagabunda das paixões e que o magma incandescente dessa libidinosa demência, artificialmente lacrada pela moralidade, acabaria por enlouquecer os seus corações e fazer explodir o indomável vulcão passional.
O fio daquele sofisma sentimental ameaçava quebrar-se a cada instante mais ardente, contudo, a adoração, que ousaram confessar-se na véspera, continuava invariavelmente platónica e ainda bem. Supostamente obcecado pela ex miss Brasil, Rui nem ouviu o padrinho interpelá-lo, respondendo-lhe com uns segundos de atraso.
― Desculpe, o padrinho dizia? ― perguntou aéreo, fechando a revista.
― A Dina quer que você a ensine a nadar e como ela tem muito medo das ondas não facilite. Por isso veja lá não me a mate, porque eu não quero voltar a casar-me, Rui. Aliás, nem sei se me devia ter...
― O padrinho não diga tolices. Quando é que quer começar, madrinha? ― perguntou eufórico depois de admoestar o nostálgico taciturno.
― Porquê? Se está comprometido com alguém...
― Esta tarde não, mas amanhã, se me deixassem, gostaria de sair um pouco.
― Se o seu padrinho nos levar à praia...
― Não, Dina, ― interferiu prontamente o marido ― vocês podem ir quando quiserem. O Mercedes está à vossa disposição. O Edgar virá buscar-me.
― Agora ou depois de almoçarmos, Félix?
― Olha, como estamos a tomar o café ao meio-dia, eu acho que fariam melhor irem aproveitar o Sol e almoçar fora. Você precisa tanto de se bronzear...
― Eu sei, Félix, não precisa de mo repetir todas as noites. Rui, quer ensinar-me a nadar ou não? Eu pago-lhe! ― disse nervosa, fitando o marido de soslaio.
― Pagar-me? Não me ofenda, madrinha! Vocês são tão generosos...
― Vá, folhas de papel, despachem-se que o sol...
― Não goze! O padrinho já se olhou ao espelho, já? Daqui a uma semana, quem vai gozá-lo sou eu, vai ver! Até logo!
― Até logo! ― respondeu o arquitecto, acenando-lhes enigmático.
Da janela do escritório, viu-os entrar no Mercedes e desaparecer radiantes. E aquele olhar pesado e mórbido, perdido em mística contemplação, só foi libertado do pesadelo pela buzinada intempestiva do amigo que o chamava. Alertado pela governanta, o pensativo arquitecto ergueu-se, largou o jornal e correu a ter com o doutor Edgar Sampaio.

Entretanto, segurando bem o volante, Dina, que seguia a direcção do Estoril, ia urdindo a teia da sedução por detrás de um levíssimo vestido de praia que lhe cobria o biquini verde. Com os chinelos brancos, em vaivém constante, ela carregava no pedal do acelerador, cobiçada vorazmente pelas órbitas viris. Desde os cabelos pretos, apanhados por um gancho de couro, até aos joelhos brancos donde sobressaíam as rótulas irrequietas, ela era mentalmente devorada pelo irreverente predador.
Perto de S. Pedro do Estoril, Dina reduziu a velocidade e virou para o sítio abrigado da praia da Azambujinha, estacionando o carro perto do vendedor de gelados. Saíram mudos como vieram. Com o saco de sisal grosseiro a tiracolo, Rui Patrício cortou-lhe os passos e, pisando o areal escaldante, mirou os rochedos, procurando um lugar sossegado onde pudesse continuar tranquilamente a adoração da sua dulcineia, mas a voz da consciência fê-lo mudar de ideias e sugerir à madrinha que escolhesse o sítio que mais lhe agradasse.
― Vamos, sonhador? ― convidou a jornalista, estendendo-lhe uma toalha.
Ele não respondeu. Acenou simplesmente e seguiu-a escravo de uma sombra fantamasgórica que lhe punha o corpo em delírio. Prisioneiro da impetuosa insolência sexual, era-lhe difícil evitar o desejo e o consequente sentimento incestuoso. Que Deus lhe perdoasse, se podia. Pela praia, Rui e Dina não se atreveram a quebrar o fio do pensamento. Os veraneantes mais fanáticos sofriam os escaldantes assaltos solares e, enquanto do outro lado da estrada o mundo seguia a dura azáfama quotidiana, ele descobria o prazer e a dor de uma paixão que nascera antes do tempo. Os óculos escuros vieram dissimular-lhe o faminto furor interior. A magia do amor que lhe ardia incessantemente no peito, mas sem nada consumir, fazia-o cismar. Os passos meditados da jornalista, com as nádegas e as coxas vistas por detrás, excitavam-no terrivelmente. Sabendo-se intrinsecamente desejada, Dina descomprimiu o coração e bradou boquiaberta:
― Uf, que sufoco! Este Sol mata!
― Não mata, assa!
― Quer que alugue uma tenda, quer?
― Quem paga, manda.
― O.K! Pegue no porta-moedas que está no saco e vá ao vigia alugar uma. Olhe, veja se pode ser aquela amarelinha. Eu espero ― disse descontraída.

Partindo como uma seta, o mensageiro voltou como um tiro, ostentando entusiasticamente o recibo do aluguer. Depois, segurando novamente o saco, correu e espreitou para o interior da tenda. Dina sorriu e, descalçando os chinelos, fechou-se lá dentro, nivelando a areia com os pés. A malícia saltava-lhe das órbitas semicerradas e resvalava-lhe voluptuosamente pelos lábios humedecidos. Entretanto, Rui estendeu primeiro a esteira e depois a toalha gigante e cobriu o chão onde ela se ajoelhou. De costas, ela pousou os óculos de sol e encolheu os ombros, deixando o vestido deslizar-lhe pelas costas e cair. Depois, virando-se lentamente, lançou-lhe um pedido langoroso:
― Por favor, Rui, passa-me o bronzeador.
Ele ajoelhou-se também e abriu o saco, procurando nervosamente o tubo. Corado, sentindo-se tal mosquito prisioneiro na teia translúcida da traiçoeira aranha, não conseguiu reagir e libertar-se a tempo. Distraído a procurar, nem viu as unhas irresistíveis da fera cravarem-se-lhe nos pêlos do peito.
― Madrinha!... ― suspirou aflito, agarrando-lhe as mãos esguias.
― Madrinha, não! Dina! Só Dina! ― sussurrou a opressora, amassando os seios contra as irrequietas espáduas do mancebo.
― Por favor, não! - implorou ele, segurando-lhe firmemente os pulsos.
― Desculpe... Por favor, esqueça este gesto tresloucado. Perdoe-me, Rui!
O adolescente meneou a cabeça e libertou-se, levantando-se confuso. Revoltado consigo mesmo, decidiu dar uma volta pelo areal escaldante para se mortificar. Descalço, despiu a t-shirt, que atirou ao acaso, e mergulhou desesperadamente nas ondas alterosas. Um grupinho de raparigas desatou a aplaudi-lo, soltando alaridos histéricos, mas ele, debatendo-se com as vagas, nem as ouviu.
Passados quase dez minutos, decidiu voltar. De jeans a pingar, sacudiu os caracóis e dirigiu-se às moças, pedindo-lhes a camiseta que ele lançara ao chão e não encontrava. Sentindo-se encharcado e como nenhuma lhe respondesse, encarou a mais desavergonhada e perguntou:
― Desculpe, a menina viu a minha t-shirt?
― Âh! Âh!... ― resmungou a rapariga, mirando-o sobranceira de alto a baixo e escondendo as mãos atrás das nádegas.
― E vocês, não viram nada? ― insistiu nervoso, mirando as restantes.
Fez-se um silêncio total. Como nenhuma ousasse quebrar o pacto, ele sorriu irónico e, apalpando inadvertidamente os testículos para que a água escorregasse melhor, disse num tom mais sossegado:
― Eu estou diante daquela tenda amarela. Não se prive, quem me quiser...
E, atirando-lhes um beijo safado, retirou-se altivo.
Diante da tenda, a madrinha apanhava os primeiros raios de Sol daquele maravilhoso Verão de 1973 deitada de bruços na toalha. Apercebendo-se da chegada dele, ela virou-se e, vendo-o encharcado, fechou os olhos como se não tivesse visto nada e dormisse. Rui pisou cautelosamente a areia e, desprendendo a lona que fazia de porta, refugiou-se no interior da tenda. Sozinho, despiu as peças molhadas, torceu-as e vestiu o calção de banho. Depois de pendurar as Lewis na piqueta que segurava o tolde, enxugou-se à toalha e deitou-se ao lado da jornalista, contemplando e desejando-a platonicamente, tal escravo submisso.
De bruços, apoiando o queixo nas mãos, não se cansou de a espiar. Como o fascinava! Assim, embebido naquele corpo de mulher, o seu coração imaturo sentia a atracção sexual dominar-lhe fatalmente a razão, roubar-lhe o discernimento e deturpar-lhe a consciência moral. Meu Deus, como a amava!
E a Dina que tanto o fascinava não se mexia; a madeixa preta, enrolada num poupo estético, desnudava-lhe o pescoço altivo; o baton vermelho remodelava-lhe os lábios sedutores; o biquini apertado avolumava-lhe os seios tentadores; as nádegas esbeltas atiçavam-lhe a gula; as coxas e as pernas esguias faziam-no sonhar e imaginar as colunas de uma catedral gótica onde se perderia em fervorosa e ardente oração.

" Ó Dina, se soubesses como sofro por não te poder amar! Como te quero e tanto medo tenho de te perder! Oh, se soubesses como te desejo e me custa afastar de mim esta tentação? Ah, como invejo quem é livre e pode amar, quem lhe apetece! Dina, tu és o tudo de quem não posso ter infelizmente nada e, sobretudo, o prazer que me vem como uma espada, me faz viver esta paixão danada e me traz a alma atribulada! Tu és o paraíso do inferno onde tanto me apraz arder e o ardor desta paixão que obriga este pobre coração a sofrer o gélido furor do Inverno em pleno Verão, a única estação que a paixão conhece! ” - dizia-se cegamente, mortificando ainda mais a sua mente.

O sono estava quase a libertá-lo do pesadelo, quando foi sobressaltado por uma simpática donzela que lhe devolvia timidamente, a t-shirt. Sensibilizado, ergueu-se e, segurando a efígie dos Beatles, disse sensibilizado:
― Obrigado, menina. Eu sabia que seria você, quem ma devolveria. Posso dar-lhe um beijinho?
A moça corou e ofereceu-lhe nervosamente o rosto que ele beijou levemente.
― Mais uma vez, muito obrigado, menina...
― Tânia ― respondeu envergonhada, mirando a jornalista.
― Prazer em conhecê-la, Tânia. Au revoir! Good-bye! ― disse o poliglota.
― Au revoir! Good-bye! ― repetiu ela, devolvendo-lhe o sorriso carinhoso.
Dina, que entretanto se pusera de costas, assistira sem pestanejar à cena.
Muda, ainda pensou interrogá-lo, mas não teve coragem de o afrontar novamente. Aquele impulso animal deixara-a envergonhada. Oxalá não ficassem traumatizados por muito tempo! Indisposta, foi meter-se na água, seguida instintivamente pelo conquistador. Passando junto das raparigas, ele deu um olá! àquela que julgava ser a única virgem do bando e fustigou as restantes com um desdém tão insolente que nenhuma ousou desafiar a sua ira.

Como a madrinha se intimidasse com o ímpeto das ondas, Rui Patrício molhou-se lentamente e mergulhou nas vagas. E, nadando, convidou-a a segui-lo, mas a medrosa recusou o desafio, obrigando-o a voltar para junto dela. Chapiscada pelo brincalhão, Dina assustou-se e enfiou-se debaixo das ondas, atrapalhando-se. Socorrida instantaneamente pelo afilhado, que a ergueu e a amarrou contra o seu peito arquejante, ela chorou e riu de alegria. O remorso libertou-se das garras da consciência e o pesadelo, que arrastava consigo desde o incidente na tenda, metamorfoseou-se na maior das inefáveis felicidades. Fixando-a platonicamente como antes, Rui Patrício reparou naquele translúcido véu por onde a olhava descaradamente sem se envergonhar e a confiança instalou-se novamente nas suas retinas vorazes. Então, oferecendo-lhe as mãos, afastou-se lentamente e segredou:
― Vem, Dina, vem!
Fitando-o confiante, ela partiu hipnotizada atrás do guru. Cega de felicidade, lá seguiu o mestre até ao canto abrigado entre os rochedos, onde a maré não se fazia sentir. Leve como uma pena, a aprendiz abeirou-se de um rochedo e, sentindo a terra firme, estancou o natural vaivém dos pés e das mãos. Rui Patrício nem queria acreditar no que via! A felicidade da aluna fê-lo esquecer tudo. E, radiante, mergulhou novamente e, oferecendo-lhe o pé esquerdo, arrastou-a calmamente para a praia. Atravessando a maré humana sem pestanejar, lá voltaram à tenda. Depois de se enxugar, Rui Patrício foi comprar duas sanduíches que, esfomeados como estavam, eles devoraram num abrir e fechar de olhos. Insatisfeito, o mestre levantou-se e dirigiu-se para o parque de estacionamento, regressando pouco depois com dois gelados de fruta para adoçarem a língua. As lambedelas, reatando os seus jogos voluptuosos, reacenderam-lhes a cúmplice malícia que morava nas suas íris insensatas. Depois de enterrar o pau do sorvete, ele assentou-se e, apoiando-se nos cotovelos, indagou curioso:
― Qual é a verdadeira cor dos seus cabelos, madrinha?
― A mestiça, Rui ― retorquiu irónica, mostrando-lhe a língua afiada.
― Eu gostava que a Dina, ― emendou corado ― experimentasse um corte de cabelo mais curto. Realçava-lhe melhor esse pescoço esbelto.
― Como assim? ― retorquiu envaidecida, apanhando a madeixa.
― É, mais ou menos. O seu rosto e o busto ganham outra dimensão, outro encanto, outra..., como direi?, outra classe!
― Acha? Oh, posso ficar pior! Eu sempre usei este penteado, Rui!
― Claro, tolinha! A menina também nunca mais aprende a sonhar!
― Ah, você já me imaginou com outro visual!
― Obviamente que se sonha muita coisa em quatro anos!
― Claro que em quatro anos se passam muitas coisas. Quatro anos!... O menino, quer passar-me o bronzeador nas costas? ― perguntou risonha, olhando-o com ar de troça.
― Vá, não seja má para mim! ― bradou-lhe brincalhão ao ouvido, salpicando-lhe as espáduas de nívea.
― É, você até é o mauzão da fita e sou eu que fico com a culpa, não é?
― Vá, esteja quietinha, senão... ― ameaçou o gozão, desenhando nas costas da madrinha um coração trespassado.
― Senão o quê, seu trocista?! Seu... ― desabafou queixosa.
― Ora mexa-se e verá! ― concluiu ameaçador.
Enquanto lhe passava o bronzeador nas espáduas, Rui espreitava-lhe os seios lácteos. Ao alastrar o bronzeador nas costas da vénus, ele sentiu a tumescência cerebral baixar-lhe aos endurecidos órgãos genitais e parou, pedindo-lhe que acabasse. E desatou a correr para resfriar a insolente fúria genital na água. Pouco depois, voltou arrepiado e, enxugando-se, pediu à madrinha que lhe retribuísse o favor, o que ela fez prontamente. Enquanto a madrinha lhe passava o bronzeador, ele forçou os músculos para a impressionar, mas, insegura e temendo atear as labaredas libidinosas que lhe consumiam as entranhas, Dina preferiu renunciar ao vaivém deleitoso.


Durante quase uma hora, permaneceram deitados, olhando-se sem pestanejar. Perto das cinco horas, receando uma insolação, Dina refugiou-se na tenda para a evitar, enquanto Rui se distraia nos rochedos, olhando e cobiçando as donzelas que passavam. Antes de voltar a casa, ele ainda a convidou para um último mergulho, mas ela recusou gentilmente, dizendo-lhe que não teria tempo para secar e molharia o assento do carro.

Afinal, o retorno foi muito divertido. Alegres, eles ora contavam anedotas, ora trauteavam os sucessos dos Beatles, dos Rolling Stones ou dos Green Windows, a banda do José Cid, o pai do rock português.

Na vivenda, a senhora Noémia aprontava a ceia e o arquitecto efectuava os últimos retoques no esboço do anteprojecto de Alcabideche, dado que o orçamento tinha sido definitivamente aprovado durante a tarde. O barulho do motor fê-los largar tudo e vir saudá-los.
Naquela noite, o calor e o cheiro do marisco incitou-os a jantar no terraço. Curioso, o Dr. Félix não se cansou de os elogiar, perguntando-lhes, todavia, se seria coragem ou demência afrontar os caprichos do Sol tantas horas a fio. Depois do duche, os vermelhões eram mais visíveis nos braços e nas pernas deles.
Mais tarde, ao luar, falaram da família Sampaio, com quem almoçariam no dia seguinte, e da situação política em Portugal. De todos os temas abordados, a guerra do ultramar foi o que mais impressionou o afilhado, tão receoso dela e de um hipotético e fatal face a face com os assassinos dos pais. Mas quando viu que os padrinhos mudaram a conversa para temas de foro íntimo, que poderiam traí-lo, perspicaz, Rui deu-lhes as boas-noites, beijou-os no rosto e retirou-se, concedendo-lhes a pudica intimidade que eles mereciam.

No quarto, o sono não lhe deu tempo para se perder nas divagações imorais ou em desejos proibidos. Cansado, adormeceu de porta aberta, estendido sobre a colcha e de tronco nu. O coração, esse, devia deambular pelas paradisíacas margens da sua Dina. Sonhar não era proibido...

continua em: Domingo, 22 de Julho ( 6º DIA )

Caprichos do Amor / Lmp, luxemburgo - 1996 / Lud MacMartinson

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