Sábado, 4 de Agosto
( 19º DIA )
De madrugada, Rui Patrício que, de tanto aprimorar o sonho, mal pregara o olho, foi acordado pelos ruidosos passos dos padrinhos, mas fingiu-se adormecido para não ter que se despedir deles, nem, sobretudo, dos pais da sua vénus que, entretanto, haviam estacionado o carro diante da vivenda. Depois de um cafezinho revigorante, os dois casais partiram antes que o sol despontasse lá nos confins do horizonte negro e atravessaram a Ponte de Salazar ainda de noite para fugirem ao engarrafamento e chegarem ao destino ainda pela manhã, evitando a torreira do meio-dia. Mal os vira desaparecer, o doente ainda pensara telefonar à Cristina, mas, temendo indispo-la tão cedo, preferiu recolar o sono matinal imaginando-a carinhosamente nua ali ao seu lado.
Pelas dez horas, depois de tomar os remédios e o pequeno almoço, assentou-se diante do telefone, esperando que ele tilintasse e lhe devolvesse a voz afável da dulcineia. Desesperadamente ansioso, perante o absurdo silêncio do auscultador, decidiu ir buscar o correio. A luminosidade estival cegou-o. Protegendo-se instintivamente com as palmas das mãos para que o Sol não lhe ferisse as retinas, nem se apercebeu que estava a ser espiado. Impaciente e obcecado pelo telefonema que não chegava, pegou no correio sem o verificar, como era seu hábito e virou-se, retornando cabisbaixo.
― Pst! ― zumbiu-lhe uma voz ao ouvido.
― Âh?! ― inquiriu aéreo, virando-se molemente.
E um sorriso angelical veio espelhar-se no seu olhar estupefacto.
― Oh, Cris!... ― bradou irradiante, correndo a beijá-la nos lábios.
― Ai, como te amo, Pat! ― suspirou a donzela, prisioneira do abraço passional.
― Eu também te amo muito, Cris! ― confessou-lhe o adolescente, enfeitiçado pelo encanto daquele profundo olhar esverdeado.
Sustendo a contemplação mútua, deram as mãos trémulas e entraram na vivenda iluminados pela aura do astro-rei. Emocionados, os seus corações batiam arrepiados. Vendo aquele quadro idílico, a senhora Noémia não os importunou até ao meio-dia.
Embalados pelos melodiosos sucessos dos Beatles, cuja compilação a madrinha, fã confessa dos meninos de Liverpool, trouxera de Londres, Pat e Cris não se cansavam de se beijar, enrolados no sofá. O fluxo magnético do olhar da dulcineia empolava-o terrivelmente. Quando o LP fez ecoar Let it be, o doente, que vestia umas calças negras, mordeu-a no pescoço e convidou-a a dançar o slow. Cristina, receando sucumbir aos assédios da paixão, trouxera uns jeans roçados apertados que lhe comprimiam os flancos e uma blusa branca por onde espreitavam os seios. Abraçados, mexendo-se apenas, eles calaram-se para que as palpitações dos seus corações apaixonados ecoassem pela vivenda e gritassem bem alto para que o mundo soubesse como se amavam. Inebriado pelo perfume asfixiante da sua amada, Pat acariciou-lhe a madeixa loura e as espáduas, contando-lhe docemente as costelas com os dedos nervosos. A tumescência, irrompendo fulgurante das suas entranhas, fê-los corar e balbuciar palavras sussurrantes, sintonizando-os emocionadamente. Empolados pelo ardor da paixão, entrelaçaram-se febrilmente no canapé, iniciando a inefável sinfonia de amor. A felicidade, que os beijos e os suspiros langorosos faziam enlouquecer, consumira-lhes rapidamente os restos da razão. Subjugado pela beleza fascinante da sua presa, Rui Patrício amedrontou-se e, escutando a voz da consciência, confessou-lhe docemente o seu desejo. E um sorriso divino apareceu nas retinas esverdeadas da fascinante Cris, libertando-os da fúria degradante do pecado iminente. Recompostos, pararam o gira-discos e foram saber da velhota. O ruído do aspirador denunciou-a no primeiro andar.
― Olá, menina! ― bradou a governanta, sorrindo-lhe meiga.
― Sempre a trabalhar, senhora Noémia!
― Trabalho?! Agora, com este engenho, é uma brincadeira fazer a limpeza ― disse a velhota, ostentando orgulhosamente o aspirador.
― A avozinha é uma santa, Cris! ― acrescentou ternamente.
― É verdade, o teu padrinho elogia-a muito ― confirmou a donzela.
― Coitado do senhor doutor! Vocês já imaginaram o que é perder a mulher e o filho só de uma vez? O senhor arquitecto sofreu muito, menina Cristina.
― Imagino, senhora Noémia.
― Oxalá que os meninos nunca passem por uma coisa dessas! ― disse a governanta emocionada, olhando-os com ternura.
― Deus a ouça! ― concluiu o jovem, beijando-lhe os cabelos brancos.
― Quer uma ajudinha, senhora Noémia? ― perguntou Cristina serviçal.
― Obrigada, menina. Como vê o Ruizinho é muito cuidadoso ― acrescentou a governanta, mostrando-lhe o quarto arrumado do brioso netinho.
― Posso entrar? ― perguntou ela, espreitando curiosamente para o interior.
― Estejam à vontade. Ah, só mais uma coisa: O que querem para almoçar?
― O que lhe der mais jeito ― respondeu agradecido.
― Pst! Juizinho, menino! ― cochichou a velhota, empiscando-lhe de soslaio.
Empunhando o aspirador, a governanta retirou-se jovial, deixando-os sós.
Abeirando-se da janela, a donzela suspirou baixinho e, perscrutando o horizonte, questionou curiosa:
― Tens algum binóculo, Pat?
― Não. Porquê, Cris? ― retorquiu ele, acariciando-lhe os quadris e beijando-lhe afectuosamente o ombro desnudado, o que a arrepiou toda.
― Ui que gostoso! ― balbuciou excitada.
― Mesmo, gatinha? ― inquiriu possessivo, agarrando-a por detrás.
― Cuidado, Pat, a senhora pode ver-nos!
― Se soubesses como te desejo, Cris! ― confessou-lhe fervorosamente ao ouvido, aprisionando-lhe cuidadosamente os seios nas mãos e mordendo-lhe os ombros desnudados.
― Ai que bom! Ui! ― balbuciou voluptuosa, amarrando a madeixa para que o Casanova a acariciasse e beijasse melhor no pescoço.
Enlouquecidos pela ebuliente febre libidinosa, eles desnudaram o tronco e, depois de um boca a boca sulfuroso, beijaram-se loucamente até ao umbigo. Desnorteado pela fúria passional, Pat ainda tentou desabotoar-lhe as calças, mas logo surgiram as mãos vigilantes da virgem a segurá-lo e a retê-lo. Compreensivo e envergonhado, ele abraçou-lhe a cintura e, colando-lhe os lábios na zona púbica implorou baixinho:
― Perdão, Cris, mas este teu corpo deixa-me tão louco! Eu quero-te tanto!
― Eu também, mas ainda não me sinto pronta para isso, percebes? ― murmurou-lhe corada, roçando-lhe os dedos esguios nos lábios e no peito.
Meneando a cabeça, ele agarrou-lhe as mãos carinhosas e, olhando-a timidamente, ergueu-se para lhe beijar delicadamente os mamilos rígidos, que o sutiã mal segurava. Depois, sempre com aquela ternura regeneradora de compaixão, ajudou-a a abotoar a blusa, puxou-a para os aposentos dos padrinhos e, mostrando-lhe os utensílios de maquilhagem da jornalista, retornou para o seu quarto, vestindo novamente a t-shirt.
Como a Cris se demorasse, Pat foi vê-la acabar de pintar os lábios de um cor-de-rosa discreto, mas sedutor. O brilho do sorriso daqueles olhos esverdeados ofuscava o sol do meio-dia que, invejoso, entrava de roldão pela janela. Endoidecido, ele projectou no espelho as garras e os dentes do lobisomen que, ao cravarem-se-lhe nas costas, a fizeram estremecer, soltar uma gargalhada e rodopiar para se aninhar no peito varonil onde ecoava a liberdade.
― Nossa, como bate!
― Por ti, ele baterá eternamente, Cris.
― Achas? ― perguntou duvidosa, fitando-o bem no fundo dos olhos.
― Morra eu no dia em que deixar de amar...
― Âh, em deixar de amar!... Amar a Cris, a Dina, a Tânia e sei lá quem...
― Eternamente, só te amarei a ti. Ó Cris, se soubesses como te amo!
― Tchut! Eu também te amo, maluquinho! ― segredou feliz, beijando-o no peito, mesmo sobre o mamilo que escondia o coração arquejante.
Segurando-lhe o rosto entre as mãos, Pat olhou-a bem no fundo das retinas e, deixando escapar um sorriso angelical, depôs-lhe na testa um beijo ardente. O ouro daquele sagrado silêncio, abençoado pela inocência dos olhares puros, desceu-lhes ao coração, unindo-os para sempre. E assim ficaram por mais de dois minutos, contemplando-se mutuamente num face a face inerte e mudo.
Depois, quebrando o sério, retornaram à sala da televisão e, ligando o gira-discos, assentaram-se no sofá, esfolheando as revistas do açafate ao som de Hey! Jude, don't make it bad que foram trauteando distraidamente. Entrementes, apareceu a senhora Noémia com um sumo, um copo de água e a caixa dos comprimidos do menino num tabuleiro, que colocou gentilmente na mesa oval da sala. Baixando o volume das campânulas, o convalescente pegou no copo do sumo, ofereceu-o à Cristina que, segurando-o timidamente, agradeceu a gentileza de ambos. Sorrindo-lhes envaidecida, a velhota retirou-se rapidamente, não fosse o esturro chegar ao tecto e estragar-lhe o almoço que lhes preparava com tanto esmero.
Espevitados pelo marejar e pelos gritos das gaivotas, que o sol fazia esganiçar de azáfama, eles desligaram o gira-discos e foram para o terraço admirar a magnífica paisagem que a baía azul de Santo Amaro lhes oferecia. Lá no fundo, os veraneantes, pisando cautelosamente o areal, tentavam arranjar um canto de areia para se deitarem. Debruçados no banzo da varanda de mãos dadas, Pat e Cris mal se falaram, preferindo deixar as suas almas ecoar até aos limites do horizonte e os seus corações bater livremente a cadência da paixão.
Por volta das treze horas, a senhora Noémia convidou-os a irem assentar-se. Obedecendo sem pestanejar, lá se dirigiram para a sala de jantar, encontrando os dois pratos frente a frente, o que os fez sorrir e apertar as mãos. Mirando bem os quadros do muro, a donzela ficou intrigada com as parecenças do Rui e do padrinho e, cogitando um instante, indagou maliciosa:
― Será mesmo verdade que o doutor Félix não tem filhos?
― Claro! ― respondeu-lhe ele prontamente.
― Se não te conhecesse... ― insinuou ela, empiscando-lhe o olho.
― Ah, isso não, Cristina! - bradou envergonhado.
― Sim-sim, Ruizinho! ― insistiu ela, obstinadamente risonha, mimando-o.
― Não me digas que tu estás a pensar que eu sou filho dele? ― perguntou-lhe o moço friamente.
― Deus me livre de tal pensamento! ― exclamou a donzela.
― Deixa lá, Cris! Nunca te aconteceu olhares para uma pessoa e teres a sensação de a conheceres de algum lado?
― Contigo, por exemplo...
― Comigo?! Ah bom, explica-te, mulher!
― Agora não. Mais logo, está bem?
― Está bem, menina ― anuiu de voz grossa, ironicamente todo machão.
E um sorriso malicioso veio silenciar as insinuações inadvertidas que a inocência lhes servira como aperitivo, até que a velhota, arvorando uma terrina de porcelana fumegante, lhes abriu o apetite. Durante a refeição, Cristina não se cansava de o olhar e limpar parcimoniosamente os lábios, antes de os colar no copo de vinho branco que a idosa lhes dera, para que a comida, dizia, lhes fizesse mais sangue. Temendo embriagar-se, a donzela acabou por renunciar ao prazer de Bacus e beber um copo de água, enquanto o moço, obedecendo impensadamente à avozinha, nem se recordara que havia tomado uns comprimidos quinze minutos antes.
Depois da sobremesa, para ajudarem à digestão, decidiram ir passear pela praia, mas, apenas lá chegaram, vendo aquela nudez intimidante estendida no areal escaldante, regressaram à vivenda de mão dada.
Ainda passavam na soleira da porta e já o trrim estridente do telefone ecoava desesperadamente pela vivenda.
― Alô? ― respondeu ofegante, colando o auscultador ao ouvido.
― O que é que o menino estava a fazer para me aparecer assim tão aflito?
― E Tróia?
― Tróia? Só falta Ulisses para salvar a bela Helena.
― Ainda bem! Olhe, gozem muito e tragam-nos alguns postais.
― Tragam-nos?! ― repetiu a jornalista desconfiada, mudando de voz.
― Sim, diga à D. Susana que a Cristina está a contar com uns postais para a sua colecção ― respondeu confuso, tapando apressadamente o auscultador e acrescentando baixinho. ― Não é, meu amor?
Cristina, lendo-lhe os olhos, meneou a madeixa e, corando também, recuou uns passos para não o intimidar, nem denunciar a sua presença à rival. Abafando os alôs desesperados da madrinha, Rui Patrício respirou fundo e respondeu aéreo:
― Sim, quando chegar.
― O que se passa? A Cristina está aí, não está? ― berrou furiosa.
― Sim, está. Tudo bem. Gozem muito. Até amanhã. Adeus! ― disse o rapaz, desligando o aparelho e tornando-se subitamente taciturno.
Diante das cortinas, Cristina olhava, muda e desvairadamente pela janela; as retinas mareadas diziam tudo; o coração ingénuo batia magoado; as mãos, repentinamente nervosas, tremiam e os olhos, afogados de ciúmes, perdiam-se lacrimejantes na cegueira de tão intrínseca paixão.
― Por favor, Cris, não fiques assim. Por favor! ― implorou-lhe ele, acariciando-lhe levemente os cabelos desalinhados.
― Os teus olhos não mentem, Rui ― balbuciou a donzela soluçante, estancando as lágrimas nas órbitas.
― Por favor, não duvides do meu amor, Cris, por favor! ― suplicou carinhoso, segurando-lhe a mão esquerda.
― Deixa-me ― murmurou a moça morbidamente, enxugando os olhos comovidos.
Aborrecido, Pat não teve palavras para a convencer e retirou-se para o terraço, debruçando-se pensativo no banzo da varanda, enquanto Cristina, sozinha, tentava dominar os absurdos ciúmes no escritório, donde a perspectiva o colocava à beira do abismo. Cabisbaixo, ele tentou raciocinar e aliviar o cérebro perturbado, mas o seu coração, batendo desnorteado, não lhe concedeu tal alívio. De repente, num daqueles momentos de alheamento, ele sentiu o mundo andar à roda e, apoiando-se mal, deu meia cambalhota, tentando agarrar-se desesperadamente a qualquer coisa, mas caiu da varanda abaixo, precipitando-se desamparadamente no vazio.
Num ápice, Cristina, que o mirava nublado, deixou de o ver e, soltando um grito que ecoou aterrorizado pela vivenda, acorreu ao terraço com o coração lívido nas mãos: o Pat, de quem ela duvidara, jazia inanimado sobre a relva do jardim, a cerca de três metros.
― Ó meu Deus! Pat, Pat! ― bradou aflita, olhando-o desvairadamente.
Como ninguém lhe respondesse, desatou a correr, gritando desesperada:
― Socorro! Socorro!!! Senhora Noémia, por favor, ajude-me que o Rui caiu.
― Ó valha-me Deus! ― choramingou a velhota, apercebendo-se do desespero da moça, e correu aflitíssima atrás dela.
― Oh, não?! ― bradou Cristina, ajoelhando-se fervorosamente diante do seu anjo.
― Ó valha-me Nossa Senhora dos Aflitos! Está-me a ouvir, Ruizinho? Ei! Ei, Rui!!!
― Se nos ouves, agarra-me a mão, Pat. Por favor, Pat... ― implorou a moça.
― Coitadinho do meu menino! ― bradou a velhota, penosa, passando-lhe cuidadosamente a ponta do avental nas frontes suadas.
― E se ele nos morre aqui, senhora Noémia?
― Ai, credo, menina, isso não! Ó valha-me o meu Santo António! ― implorou a devota, lançando ao Céu, nos seus olhos a transbordar de fé, uma súplica desesperada com uma promessa implícita no coração.
― Olhe, ele mexe os dedos. Pat, eu amo-te. Por favor, diz-me que me ouves.
― Isso, devagar. Ah, já mexe! Calma, Ruizinho, que nós cuidamos de si.
― Devagar, senhora Noémia! Deixe-me segurá-lo ― murmurou a donzela condoída, vendo-o abrir os olhos e agarrar-lhe a mão.
― Ai!... Ai!... - balbuciou atordoado, sentindo-se amparado.
― Quer um copo de água, Ruizinho? ― perguntou a velhota comovida.
Pálido, mas mexendo levemente a cabeça, amparado pelo regaço da sua amada, ele suspirou baixinho:
― Deixa-me morrer nos teus braços, Cris.
― Tchut! Por favor, Pat, não me faças mais sofrer!
― Não chores mais, Cris. Se soubesses como me custa ver-te assim! Por favor, ai, não me chores mais... ― implorou-lhe trémulo, virando-se penosamente para a olhar.
― Para ter o teu amor só para mim, Pat, chorarei todas as lágrimas do mundo e esperarei toda a vida, se preciso for - desabafou ela soluçante, afagando-lhe o rosto suado.
― Eu não mereço que chores assim por mim, Cris.
― Vá, beba este copinho da água e não diga tolices. O Ruizinho merece tudo, ouviu? ― disse a velhota corajosa, sorrindo mais sossegada.
― Será melhor chamar o médico, senhora Noémia ― sugeriu a donzela, ajudando-o a recuperar os sentidos.
― Não, isso não! ― recusou ele enérgico, retirando o copo dos lábios.
― Calma, Ruizinho, calma! ― bradou-lhe a senhora, assustada.
― Por favor, Cristina, deixem-me levantar. Eu já estou bem ― insistiu ele, apoiando-se-lhe nos joelhos e assentando-se cabisbaixo a segurar a cabeça.
― Dói-te? ― perguntou a donzela, derreando-se para lhe ver os olhos.
― Não. Foi só um susto.
― O menino veja lá! Olhe que os tombos são muito perigosos!
― Não se aflija, senhora Noémia, que eu não tenho nada.
― Mas como é que o menino fez isto? Caiu mal? Bateu com a cabeça?
― Não! Pisei o chão primeiro, com um pé e só depois é que bati com o corpo estendido, mas não foi nada, porque eu amorteci a queda com as mãos ― explicou o imprudente, apalpando as costelas.
― Olha lá!.. ― advertiu a moça mais apaziguada, limpando as lágrimas.
― Isto não é nada, Cris! ― garantiu ele, olhando-a comovido.
― Pronto. Então venham descansar e tomar um refresco ― disse a velhota, suspirando de alívio.
Eles miraram carinhosamente a velhota e, esboçando um sorriso reconciliador, murmuram em uníssono:
― Está bem!...
Depois de enxugar o suor da testa, Rui Patrício passou o dedo pelos lábios para limpar a sujidade e sossegou a donzela, beijando-a afectuosamente no rosto e na boca e balbuciando grato:
― Obrigado, meu amor.
― Sinceramente, eu nunca pensei que pudesse chorar assim por alguém ― confessou envergonhada.
― Assustei-te, Cris?
― Muito! Se soubesses como fiquei aterrorizada, Pat!
― Oxalá que nunca mais tenhas que chorar lágrimas destas por mais ninguém ― disse ele comovido.
― Oxalá! ― bradou ela, apertando-lhe a mão e limpando as ervas e as areias que se haviam colado no corpo dele ao embater e ao contorcer-se.
As pulsações cardíacas, libertas do espectro assustador da tragédia, retomaram lentamente a cadência normal, enquanto o cérebro mostrava alguns sinais de inquietação, questionando-se perplexo sobre a fragilidade da vida. Largando a donzela na cozinha a ajudar a senhora Noémia, Rui Patrício subiu para o seu quarto e, mirando-se no espelho, apalpou bem o rosto, torcendo-se todo para ver se estava realmente inteiro. Depois, pegando num calção e na gilette de barbear, encerrou-se no quarto de banho e raspou todos os pêlos da barba.
Quando a Cris lhe bateu à porta a chamá-lo para tomar o refresco, ele chorava debaixo do chuveiro, revoltado consigo mesmo, amaldiçoando a hipocrisia em que vivia e o impedia de ser realmente, como dizia, fiel.
― O que estás a fazer, Pat? ― perguntou-lhe ela, colando os lábios na porta.
― Oh, a chorar! ― gritou o jovem aborrecido.
― Mas porquê, se estás vivo, tolinho?! ― insistiu a inocente, forçando a mãozeira dourada.
― Porque eu sou um nojo e não te mereço ― desabafou raivoso.
― Claro que mereces!
― Não, Cris eu não te mereço e só me apetecia esfaquear o coração! - retorquiu-lhe colérico, fechando o chuveiro.
― Vá, sai cá para fora e não sejas maluco, está bem? ― ordenou a moça energicamente.
Sentindo-a zangada, Pat não disse mais nada e, limpando-se à pressa, abriu-lhe a porta. Chispando fogo pelos olhos, Cris atirou-se-lhe ao pescoço e mordeu-o furiosamente na boca, no pescoço, no tronco e por onde pôde. E a paixão furiosa transbordou das suas entranhas em pânico, inflamando-lhes a libidinosa revolta. Preso naquele turbilhão electrizante, o mancebo não pode conter os assédios da tumescência. Tal fera, beijando-o desesperadamente, ela apalpou-lhe inadvertidamente os órgãos genitais e, sentindo o membro viril empedernido a espreitar pela púbis, levantou-se precipitadamente, estonteada pela glande inchada.
Mordendo a vénus nos lábios e no pescoço, Rui Patrício quis senti-la melhor e apalpou-lhe os seios, explorando o gineceu em pranto e estimulando-lhe o clitóris irritado com os dedos atrevidos. Excitada, ela começou a contrair-se e a contorcer-se, anunciando-lhe um orgasmo torrencialmente efusivo que a fez gemer e suspirar, acometida por um incomensurável e indescritível prazer, faltando apenas o coito para que a felicidade fosse total e recíproca.
Apavorado pela tumescência, ele fechou a porta do banheiro e, masturbando-se diante da atónita donzela, provocou uma ejaculação tão impetuosa que o sémen se lançou contra os azulejos, escorregando pelo muro até à banheira. Perplexa, ela fixou-lhe o pénis inchado e tocou no líquido seminal.
Aproveitando uma escova da rival, Cristina penteou-se, sorrindo envergonhada, murmurou tremulamente:
― Foi tão gostoso ver-te explodir assim!
― Eu faço isto, quase todas as noites, quando adormeço a pensar em ti.
― Eu também...
― Com o quê? ― perguntou curioso, limpando-se ao papel higiénico.
― Com os dedos ― confessou envergonhada, desviando os olhos tímidos.
― Porque é que tens medo de fazer amor comigo, Cris?
― Oh! Dizem que a primeira vez é difícil, que se sangra muito, que dói e eu tenho tanto medo, Pat! ― disse corada, mirando de soslaio e sem jeito.
― Devagarinho, com cuidado...
― Amanhã, se calhar. É, amanhã! Quem sabe?
― Mesmo, Cris?
― Talvez... ― balbuciou duvidosa, retirando-se cabisbaixa.
Apercebendo-se da demora, a senhora Noémia deixou-lhes os sumos na cozinha e foi recolher a roupa que estava mirrada nas cordas de nylon do jardim. Assentando-se no escano de castanho, Cristina, pensativa, recordava os inesquecíveis momentos que acabava de viver, esperando pelo seu conquistador para brindarem ao amor e à fidelidade.
Depois do lanche, Rui Patrício acompanhou-a até à porta da automotora de Cascais e, beijando-a de fugida, esperou que o comboio desaparecesse no fim da linha, retornando para casa radiante. À noite, quando forçava a inspiração, o telefone acabou-lhe com o calvário cerebral, arrancando-o à vã teimosia.
― Alô?
― E se tivéssemos esta noite a nossa primeira vez?
― O quê? Estás a falar a sério, Cris?
― Sim, eu estou cá sozinha com a criada. O Júlio acabou de me telefonar a dizer que vai ao cinema com a namorada e como depois passa pelo Butterfly não espero por ele esta noite. Por favor, vem, Pat.
― E se os meus padrinhos me voltam a telefonar?
― A Noémia que lhes arranje uma desculpa.
― Não será melhor guardarmos isso para um lugar mais...
― Anda lá. Por favor! Olha, vou esperar-te ao Tamariz, está bem?
― Está bem, fofinha! ― cochichou ele eufórico, beijando o auscultador.
E, vozeando pela casa, correu a avisar a velhota das suas intenções. Depois, vestindo-se à pressa, foi apanhar o comboio até ao Estoril, aproveitando os últimos raios de sol daquele atribulado, mas memorável dia em que, quase perdendo a vida, ganhara definitivamente o coração da donzela por quem se apaixonara loucamente, apesar de ter oferecido a virgindade à Dina.
Ao passar na Azambujinha, o seu cérebro vagabundo devolveu-lhe, instantaneamente as duas cenas que mais o haviam marcado: uma com a jornalista na tenda e outra com a doce Cris, entre os rochedos, quando lhe vira e beijara os seios pela primeira vez. Enfunado pela inefável nostalgia, foi in extremis que saltou da carruagem alertado pelos acenos desesperados da fascinante Cris, que se lhe lançou nos braços, apenas pisou o chão do Tamariz, para pasmo dos transeuntes mais palermas. Dando-se as mãos, correram pelo patamar que ladeava a piscina e desapareceram no túnel que dava acesso à igreja de Santo António, do outro lado da Marginal. Vendo-os beijarem-se, os carros dos barulhentos jovens que passavam não se cansavam de buzinar e os apupar, o que os incitava a repetir a cena vezes sem conta, no dobrar de uma esquina ou na penumbra de uma árvore.
Apesar da noite cobrir de pardo manto a natureza circundante, o moço quis resfriar na piscina fria o ardor do metabolismo sexual em transe, observado pela instigadora do transcendental suplício que o aguardava. Depois, tal escravo submisso, seguiu-a até ao sótão dos caprichos, onde ela instalara secretamente o altar do seu fantamasgórico sacrifício virginal. Era ali, naquela mansarda secular, refúgio e confidente das suas neuróticas e espásmicas masturbações, que Cris decidira fazer amor pela primeira vez.
Intimidado pelo rangido das escadas de madeira do último andar, Pat sentiu o seu coração apertar-se e, confrontado com a nudez impressionante da vénus, teve medo. Os dedos queriam tocar, apalpar e agarrar, mas a voz da sua consciência reteve-os; os lábios, tão libertinos e ousados pelo caminho, de repente, gelaram e a língua refugiou-se sob a cúpula palatal, enquanto que os olhos, alarmados, eram forçados a repousar a íris estupefacta nas curvas sinuosas de tão divino busto. Embasbacado, tremendo e olhando-a envergonhado, ele balbuciou timidamente:
― Não sei o que se passa comigo, Cris. Tenho tanto medo...
― De quê? Então não me amas, Pat?
― Sim, eu amo-te muito, Cris, mas nunca pensei que ficasse tão nervoso.
― Ainda bem, Pat! ― murmurou a exibicionista, despindo-lhe a t-shirt.
Mal se tocaram, os troncos desnudados arrepiaram-se; as mãos suadas entrelaçaram-se, tacteando-se mutuamente as zonas erógenas, atiçadas pela febre das suas línguas irreverentes. Fascinado pela beleza da Eva, Rui nem se apercebeu da mágica metamorfose que a nudez estonteante operara no seu espírito atribulado.
Descalçando-se, enquanto lhe beijava os mamilos rígidos e lhe abarcava as nádegas, ele foi-se arrastando para cima do edredão e, fazendo-a rodopiar nos braços, fê-la estender-se sobre um lençol florido que cobria um colchão de molas usado; debruçando-se, beijou-lhe furiosamente os seios e os flancos, lambendo-os e mordiscando-os de vez em quando para que o desejo lhe devorasse as entranhas e a fizesse gemer e suspirar de felicidade; depois, sempre histérico e indomável, abriu-lhe o fecho dos jeans para melhor lhe poder afagar e beijar a púbis; segurando-lhe a cabeça, a donzela, invadida por vagas sucessivas de um prazer desconhecido, contorcia a bacia, soltando gemidos uivantes, intercalados por balbuciantes mais-mais-assim-assim, isso-ui-que-bom-ai, que ora morriam abafados nos lábios, nos dentes cerrados ou ecoavam pela boca histérica.
Aproveitando uma pausa para respirar e ganhar fôlego, ele acabou de se despir e mostrou-lhe o rígido alfanje da felicidade para que ela lho afagasse e o usasse como e onde bem lhe apetecesse. Imitando-o, ela beijou-lhe os pêlos do peito e, baixando os lábios até à cintura pélvica, acariciou-lhe os testículos com as unhas. Depois, obedecendo ao pedido do varão, esticou o prepúcio, descobrindo-lhe a glande. Para lhe ser agradável, ainda lhe tocou com a ponta da língua, mas desistiu envergonhada. Foi então que o mancebo, um nada frustrado, tomou as rédeas do ritual e, abrindo-lhe as coxas, tentou introduzir-lhe o membro viril na vagina, forçando o hímen, o que a fez gritar aterrorizada.
Assustado, ele retirou a adaga da vulva ferida e, desculpando-se timidamente pela brusca dureza, deitou-se ao lado dela, acariciando-lhe as fontes suadas. Nos olhos esverdeados da virgindade profanada pairava um difícil dilema, miscelânea de medo, de dor e felicidade: parar ou acabar, qualquer que fosse o preço a pagar. Colados, mas imóveis, eles uniram os peitos arquejantes e, escutando a voz dos seus corações palpitantes, esperaram que o tempo os ajudasse a encontrar a solução de tão inesperado obstáculo. Beato de admiração, ele prosseguiu carinhosamente a adulação, acariciando-lhe e beijando-lhe as zonas erógenas. Descabelada, ela agitava-se, gritando e suspirando extasiada.
Na fúria daquela paixão exacerbada, quantas vezes não rodopiaram sobre o colchão, enrodilhando-se no lençol e nas almofadas, à procura de posições mais sugestivas e expressivas das sensações que a libido endemoninhada fazia renascer nas suas entranhas em transe. Exausto e obcecado por um indómito sentimento viril, ele, depois de lhe amassar e lhe chupar os seios, de lhe morder o pescoço e as costas por detrás, decidiu, finalmente, iniciar a estocada suprema, com vaivéns progressivos na fenda genital, mas sempre que a glande impaciente tocava com mais força o hímen virginal, ela cerrava os dentes, fechava os olhos e, gritando desesperada, pedia-lhe que parasse. Retirando o pénis para, noutra posição, melhor concluir aquele sacrifício, ele viu-o ensanguentado e, temendo uma hemorragia, abdicou da irremediável desfloração, aninhando-se no regaço da sua amada. Depois, cobrindo-se com o lençol para que o suor não se congelasse nos seus corpos exangues, esperou que o sono o viesse arrebatar àquela platónica vigília da virgem dorida.
E, alta madrugada, cansado de a ver sorrir e sonhar, colando-se-lhe à espinha e agarrando-lhe os seios esmorecidos por detrás, ele sentiu as pálpebras sonolentas sucumbirem, fechando-se pela última vez.
continua em: Domingo, 5 de Agosto ( 20º DIA )
Caprichos do Amor / Lmp, luxemburgo - 1996 / Lud MacMartinson06
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