Segunda, 13 de Agosto
( 28º DIA )
Ao acordar, Dina apercebeu-se que chegaria tarde ao Diário. Primeiro foi o relógio que se esqueceu de tocar e depois o seu amorzinho, que não parou de a beijar até à estação, fazendo-a perder o comboio. O Dr. Félix, indo prontamente em socorro dela, mesmo a pisar no acelerador, não lhe evitou o atraso. Durante o resto da manhã, enquanto ela tentava concentrar-se e esconder à Vera e aos restantes colegas a sua felicidade, os homens iam matando o ócio pelas ruas da cidade.
Ao meio-dia, descortinando-os no outro lado da avenida, Dina não conseguiu reter-se e, largando o escritório, veio beijar o seu cupido diante de toda a gente, deixando o porteiro embasbacado.
― Parabéns, senhora D. Dina! ― exclamou o velhote, aprumando-se todo.
A jornalista riu maliciosa e, batendo-lhe no uniforme, subiu as escadarias, espalhando toda a sua respeitosa e sedutora classe pela recepção.
Uma hora depois, abandonou definitivamente o edifício, de pasta debaixo do braço e bolsa a tiracolo e, contornando a boutique da esquina, entrou no carro que, à sombra de uma tília, começava a achar a espera demasiado longa.
Durante o retorno, sempre de mão dada, muda, Dina pensava, pensava, mudando a decoração do quarto de casal, mas, por mais que modificasse, o passado não a largava. Ah, se ela tivesse realmente uma varinha mágica!
__ Sabes uma coisa, Dina?
― Diz, Rui.
― E se nós arranjássemos um quarto só para nós na mansarda? Ela é tão ampla!...
― Adivinhaste-me os pensamentos, Rui! Estou a ver que não te posso mentir ― disse admirada, apertando-lhe os dedos com um sorriso malicioso.
― Se é realmente esse o vosso desejo, ainda hoje vou arranjar um pintor! ― apoiou o arquitecto, consultando-os pelo retrovisor.
― Obrigado, mas nós gostaríamos de decorar o nosso quarto, não é, Dina?
― Claro, Rui! ― confirmou orgulhosa.
― Pronto! ― concluiu o chofer, resignado, segurando bem o volante.
E, naquela tarde, não fizeram outra coisa. Entusiasmados, arejaram, varreram, aspiraram e foram ajeitando o ninho dos seus sonhos, ajudados pelos mais adoráveis velhotes do mundo, que, espantados pela excentricidade dos malucos, aproveitavam para recordar as traquinices e loucuras dos idos tempos da juventude.
À noite, os namorados preferiram dormir num velho colchão de palha, à luz da vela, exorcizando de vez os fantasmas do passado, enquanto o Dr. Félix, ocupando o intacto quarto do afilhado, jurava nunca mais usar os aposentos conjugais, tão cheios, a seus olhos, de pecado.
Entretanto, tomando as estrelas do céu por testemunha, Rui e Dina prometeram-se, naquele idílico nicho, um amor sincero, jurando-se mutuamente fidelidade até que a morte os separasse. E foi, recitando poemas à luz da vela cor-de-rosa e o odor de santidade da cera, que o inocente poeta lhe abriu o seu coração pateta, fazendo-a viajar, eufórica, pelo cometa da felicidade.
Depois, sentindo-a feliz, apagou a vela e, abraçando-se a ela, adormeceu sereno, pedindo a Deus que o matasse redondo, no dia em que deixasse de ser assim e traísse o amor de tão bela mulher.
continua em: Terça, 14 de Agosto ( 29º DIA )
Caprichos do Amor / Lmp, luxemburgo - 1996 / Lud MacMartinson
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